Definitivamente estamos a atravessar dias difíceis.
A invasão da Ucrânia só não deixa de ser notícia graças à resiliência extraordinária de um povo que luta pela sua sobrevivência e, arrisco-me a dizer, graças à teimosia de alguns órgãos de comunicação social que não deixam cair o tema no esquecimento dos dias.
A guerra no Médio Oriente, mais distante, tem outros contornos que permitem uma maior atenção. Permite-nos perceber o lugar de Israel no plano mundial, permite-nos assistir à sua relação com os EUA, dá oportunidade de nos inquietarmos seriamente com conquistas e reconquistas dos territórios árabes e, para desgraça de todos, dá-nos diariamente imagens dramáticas de destruição, miséria e sofrimento.
Internamente, vivemos também nós recentemente o drama dos incêndios e pergunto-me o que se passará hoje, nas aldeias, nas casas e nas famílias que todos conhecemos porque reveladas por dezenas de câmaras e repórteres, ao longo daqueles tristes dias. Mas agora é tempo da aprovação do Orçamento do Estado. Acredito seriamente que a maioria dos portugueses quer estabilidade e que o governo eleito governe. As lutas partidárias perdem o seu brilho, fora dos períodos eleitorais, em que o povo – que deve ser quem mais ordena – acolhe as visitas habituais às feiras, aos mercados, à pobreza, aos doentes, aos pobres e desempregados. O povo aceita e aplaude os discursos inflamados de quem vai salvar a pátria, de quem vai resolver o problema do desemprego, da saúde, da educação, da carestia da vida, da habitação, da emigração e da imigração, das forças de segurança, dos salários, dos patrões, dos sindicatos, porque só eles sabem exatamente o que fazer. Todos têm palavras sábias, todos conhecem soluções e todos querem o melhor para todos os portugueses.
Depois, o povo vota. Uns ganham, outros não. Começa então a luta, onde quase parece valer tudo para fazer com que, quem ganhou as eleições, as perca o mais depressa possível. Porque quem ganhou é incompetente, porque fala demais, porque fala de menos, porque prometeu e ainda não cumpriu, porque, porque, porque…uma lista só comparável à dimensão dos problemas que o país atravessa. E custa acreditar que os ataques constantes ao governo tenham como única finalidade o bem maior dos portugueses. A defesa das máquinas partidárias tem muito que se lhe diga e os partidos mais pequenos podem sempre gritar, porque sabem que ninguém os pode calar e quanto mais alto falarem, melhor defendem a sua existência.
Acredito que vivemos dias mais limpos e transparentes nestas matérias e sempre defendi e continuarei a defender que o exercício do jornalismo tem um lugar decisivo e inestimável na sociedade e na defesa da democracia. Mas também defendo que a sua credibilidade vive diariamente no fio da navalha da isenção, dos meios de que dispõe, da qualidade do que produz e está sempre sujeita ao escrutínio da opinião pública.
A discussão do Orçamento do Estado também visou a condição da comunicação social, o que deu um novo fôlego à capacidade analista e interventiva dos jornalistas. Recordei quase de imediato, uma conversa antiga… Há muitos anos, um jornalista sénior, com grande experiência de vida, disse-me que as redações de qualquer órgão de comunicação social são, por norma, reacionárias, no sentido de que estão sempre prontas a reagir ao poder vigente. Não torno minha esta análise, porque nunca a vivi em exercício de função. Mas tenho memória e recordo o tempo em que se dizia, de forma quase descarada, que eram muitos os jornalistas que recebiam avenças daqui e dali, que não existiam almoços grátis, que o quarto poder conseguia derrubar e eleger governos. Acredito que vivemos dias mais limpos e transparentes nestas matérias e sempre defendi e continuarei a defender que o exercício do jornalismo tem um lugar decisivo e inestimável na sociedade e na defesa da democracia. Mas também defendo que a sua credibilidade vive diariamente no fio da navalha da isenção, dos meios de que dispõe, da qualidade do que produz e está sempre sujeita ao escrutínio da opinião pública. As teorias da conspiração são muitas em tanto que acontece por estes dias, mas consola-me pensar que a maioria dos portugueses consegue discernir e separar o exercício da política do acontecer da politiquice.
E em Roma, acontece a última etapa do Sínodo sobre a sinodalidade. Leigos e leigas, religiosos e religiosas, padres, bispos e cardeais estão reunidos em Roma. E, tal como acontece na sociedade civil, exerce-se o direito de falar e o dever de escutar. A verdade é que este Sínodo traz consigo uma auscultação de milhões de pessoas, uma realidade única na vida da Igreja Católica. A comunicação social, de uma forma geral, não se interessa pelo tema. Talvez perante algum novo escândalo, ou alguma proposta que seja motivo de separação e sinal de conflito… veremos.
Definitivamente estamos a atravessar dias difíceis. Mas a história diz-nos que a humanidade tem uma capacidade extraordinária de se reconstruir e reencontrar. Para quem tem fé, acredito que é tempo de pedir a Deus que nos ajude a viver inquietos pela procura da verdade, dispostos a construir a paz e capazes de sentir como nosso, o sofrimento do próximo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.