Quando as coisas são demasiado difíceis, mais vale não fazer nada? - Ponto SJ

Quando as coisas são demasiado difíceis, mais vale não fazer nada?

Um dos problemas da teoria geral da inevitabilidade é que vai sempre surgir alguém com uma solução radical e milagrosa, que parecerá mais sedutora do que ficar de braços cruzados.

É a hora da história antes de dormir. Leio sobre uma tartaruga da Ilha de Pinta, que morreu, sem deixar descendência, sendo a única da sua espécie. O livro explica que Lonesome George, foi assim que lhe chamaram, tem hoje o corpo em exposição para que o que lhe aconteceu não se volte a repetir. “Para que não se volte a repetir uma coisa que já aconteceu imensas vezes?”, pergunta a minha filha, indignada, falando diretamente para a página aberta, como se estivesse à espera de uma resposta.

“Alguns compostos de protetores solares prejudicam saúde humana. Ainda assim, devem ter uso diário”, diz um push da CNN no meu telefone. Estivemos na praia o dia todo e, como sempre, barrei os miúdos com protetor várias vezes. Depois de os deitar, leio a frase da engenheira do ambiente Rita Maurício, que me fica a pairar na cabeça. “Isso é assustador, as próximas gerações terão naturalmente dois a três cancros ao longo da vida. Pela exposição crónica, não por estar exposta um dia”, diz ela.

Quando tenho de tomar uma decisão que exige coragem, lembro-me sempre do que me disse uma vez um amigo. “A vida não é perigosa”. Mas a verdade é que é. A principal causa de morte é estar vivo. Não há nada de novo nisso. O problema é que de alguma forma achamos que podemos escapar. “Vais morrer cheia de saúde”, dizia-me o pai de um amigo, quando me via preocupada com a alimentação e o exercício físico ou a criticá-lo por fumar.

A ansiedade é como um balão que cresce no peito, até sentirmos que não sobra espaço para o ar. Sufocamos e paralisamos. Como não paralisar perante o aviso constante do apocalipse? Como não sufocar, quando percebemos que a Humanidade está num caminho de autodestruição sem ninguém capaz de puxar pelo travão de mão antes de batermos na parede do fim?

A ansiedade é como um balão que cresce no peito, até sentirmos que não sobra espaço para o ar. Sufocamos e paralisamos. Como não paralisar perante o aviso constante do apocalipse?

Ficamos sempre muito impressionados com os políticos que acabam com os fatos pintados de verde quando algum ativista acredita que isso fará alguém parar para pensar sobre a destruição do planeta. E isso é parte do problema. Estes jovens ainda não perceberam que obrigar políticos a mandar fatos para a lavandaria não só não resolve nada, como nunca fez ninguém refletir sobre o que fazer para salvar o ambiente.

Suponho que vivam naquilo a que se chama “ansiedade ambiental”. Quando escrevem em cartazes que “não há planeta B”, têm a consciência que a nós nos falta de que estamos a matar-nos. Mas ninguém quer saber. Há os que acham que tudo se resolveria com mais responsabilidade individual e tentam salvar o mundo enquanto levam um saco de pano para as compras e reciclam o plástico. E os que percebem que o problema é muito mais complexo do que isso, mas em vez de exigirem a mudança, encolhem os ombros. Quando as coisas são demasiado difíceis, mais vale não fazer nada.

Detenho-me nesta última frase. “Quando as coisas são demasiado difíceis, mais vale não fazer nada”. Percebo que foi esse pensamento que nos trouxe ao momento em que estamos hoje.

A ideia de que não havia nada a fazer enquanto as desigualdades sociais cresciam. A ideia de que não há como ajudar a maioria da população a ter acesso a serviços públicos de qualidade. A ideia de que não vale a pena tentar a paz, porque a guerra é o único caminho. A ideia de que as coisas têm de ser como sempre foram, porque não somos capazes de as imaginar de outra maneira. A ideia de que já tudo foi tentado e, se nada funcionou, é porque é mesmo assim.

Um dos problemas dessa teoria geral da inevitabilidade é que vai sempre surgir alguém com uma solução radical e milagrosa, que parecerá mais sedutora do que ficar de braços cruzados. E não importa se essa é uma receita de ódio e compressão de direitos, porque o que se quer, afinal, é só tentar alguma coisa. Seja ela qual for.

Será que, perante isto, ainda achamos que quando as coisas são demasiado difíceis, mais vale não fazer nada?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.