“PELA PAZ TODOS NÃO SOMOS DEMAIS” foi o lema do Encontro pela Paz que se realizou no passado dia 5 de junho, em Setúbal. Foram doze as organizações responsáveis pelo Encontro, entre elas o Conselho Português para a Paz e Cooperação, o Movimento Democrático de Mulheres, Câmaras Municipais, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, a Federação Nacional de Professores, a Juventude Operária Católica, o Movimento dos Municípios pela Paz, a Obra Católica Portuguesa de Migrações. Os temas centrais foram a Paz e o Desarmamento, a Cultura e Educação para a Paz e a Solidariedade e Cooperação. Apesar dos pontos de vista próprios de cada organização, todos estiveram de acordo no que consideraram essencial: a defesa dos princípios inscritos na Carta das Nações Unidas, no Direito Internacional e na Constituição da República Portuguesa.
Ainda no âmbito do Encontro pela Paz, participei num debate acerca das violências que incidem sobre as mulheres refugiadas, como consequências de guerras e conflitos armados. Aí conheci a Nur Rabah Latif, jovem palestiniana, estudante de Psicologia no Porto. Contou-nos que a sua família ao longo de gerações foi expulsa por colonos israelitas da casa onde vivia, tendo que mudar de cidade várias vezes. O despejo de famílias palestinianas é efetuado ao abrigo da “Lei da Ausência”, uma lei que apenas é reservada aos judeus e que lhes permite reivindicar habitações ou terrenos com fundamento em alegados direitos de propriedade do século XIX. Nega-se aos palestinianos o direito ao seu próprio estado, aspiração que têm desde os anos trinta do século passado, depois de a coroa britânica ter “oferecido” o território da Palestina aos judeus para aí se fixarem. Basta observar o mapa da região ao longo dos anos para ver a usurpação e asfixia do território palestiniano. A Faixa de Gaza é uma prisão a céu aberto. Aí são bombardeados hospitais, escolas, habitações, e as sedes da imprensa internacional. As ambulâncias e a ajuda humanitária são impedidas de circular e de chegar aos necessitados. Só há acesso à água potável e à eletricidade em determinadas horas do dia. A ocupação que dura há quase cem anos é a causa da existência de milhares de refugiados palestinianos. Lembro outros conflitos: o do Saara Ocidental, da Síria, de Cabo Delgado, Etiópia e Afeganistão.
A Faixa de Gaza é uma prisão a céu aberto. Aí são bombardeados hospitais, escolas, habitações, e as sedes da imprensa internacional. As ambulâncias e a ajuda humanitária são impedidas de circular e de chegar aos necessitados.
É importante lembrar que a Carta das Nações Unidas, assinada em 1945 após a Segunda Guerra Mundial que instituiu a Organização das Nações Unidas para preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, teve como propósitos: manter a paz e a segurança internacionais, desenvolver relações amistosas entre as nações baseadas no respeito pelo princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas de caráter económico, social, cultural ou humanitário, promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 7º defende a igualdade entre os Estados, a solução pacífica dos conflitos internacionais, a não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e a cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade. Defende a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos. Defende o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação, à independência e ao desenvolvimento.
As guerras causam destruição, fome, pobreza, doenças, desigualdades, milhares de refugiados, tráfico de pessoas. As guerras comerciais, cibernéticas, climáticas, a procura do domínio de recursos naturais e minerais por parte de grandes multinacionais e as rivalidades nas relações internacionais constituem ameaças à Paz no mundo.
As guerras comerciais, cibernéticas, climáticas, a procura do domínio de recursos naturais e minerais por parte de grandes multinacionais e as rivalidades nas relações internacionais constituem ameaças à Paz no mundo.
A NATO continua a exercer pressão sobre os estados-membros para a criação e manutenção de blocos político-militares e para o aumento do investimento em defesa, até pelo menos 2% do PIB, em todos os países aliados. A NATO absorve os recursos que deviam ser destinados à resolução dos graves problemas que os povos enfrentam (alimentação, educação, saúde, habitação, proteção social, clima), desviando-os para o militarismo, a produção de novos e mais modernos armamentos, incluindo os nucleares.
Em 7 de julho de 2017 as Nações Unidas adotaram o Tratado de Proibição de Armas Nucleares que entrou em vigor em 22 de janeiro de 2021. Nenhum dos nove países reconhecidos por possuírem armas nucleares (Estados Unidos, Rússia, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, Israel, França e Reino Unido) aderiu ao acordo. Japão e Austrália também ficaram de fora, tal como todos os Estados membros da NATO, incluindo Portugal. A Santa Sé é signatária do tratado.
Os bloqueios económicos, as sanções e agressões por parte das potências ocidentais são ingerências em países independentes feitas ao arrepio do direito internacional e da ONU e verdadeiras armas de guerra. Especialmente neste momento de epidemia, prejudicam a assistência médica, degradam os serviços de saúde e as condições de vida das populações, semeando a fome e a pobreza.
Em nome da Paz, é fundamental que Portugal assine e ratifique o Tratado de Proibição das Armas Nucleares e assuma uma posição contra o militarismo e as sanções económicas, contra a destruição e ingerência em Estados soberanos, pelo desarmamento, pela solução pacífica dos conflitos internacionais através do recurso às negociações, assegurando a paz e a justiça nas relações entre os povos. É fundamental que haja diálogo de culturas e Paz entre as religiões. “Venho como peregrino (…) para implorar ao Senhor perdão e reconciliação, depois de anos de guerra e terrorismo (…) e em missão como peregrino da paz.” – palavras do Papa Francisco na sua recente viagem ao Iraque.
Lê-se na Fratelli Tutti do Papa Francisco: “A partir do desenvolvimento das armas nucleares, químicas e biológicas, e das enormes e crescentes possibilidades que oferecem as novas tecnologias, conferiu-se à guerra um poder destrutivo incontrolável que atinge muitos civis inocentes. Assim já não podemos pensar na guerra como solução porque os riscos são sempre superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua. Nunca mais à guerra!”
O papel das escolas, das coletividades, das autarquias na difusão dos valores que promovam a formação integral da pessoa é importantíssimo. Educar para a Paz é contribuir para a formação de cidadãos solidários, abertos a outras culturas, que respeitem a dignidade humana, as diferenças, o valor da liberdade, que sejam capazes de prevenir os conflitos e de os resolver por vias pacificas. É urgente contribuirmos para o desenvolvimento dos países mais pobres a fim de que os seus habitantes não recorram a soluções violentas e não precisem de abandonar os seus países à procura de uma vida mais digna.
A Paz é condição essencial para o desenvolvimento e o progresso económico, social e cultural da Humanidade. Pressupõe igualdade, dignidade, justiça social e direitos.
É obrigatório dizer NÃO À GUERRA, a quem a promove e a quem com ela lucra.
SIM À PAZ!
Fotografia: Luís Garção Nunes
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.