A Creche é um local, fora do contexto familiar, onde se pretende que a criança vivencie as suas experiências de forma a desenvolver as suas competências e capacidades (Instituto da Segurança Social, 2016, p.1). O currículo na Creche envolve essencialmente o brincar e as várias oportunidades de exploração e experimentação diversificada que desafiam e amplificam o mundo da criança. Interações, cuidados de rotina, atividades livres e jogo, estando o adulto sempre disponível, sem esquecer a importância do estabelecimento de relações colaborativas, “alianças” com as famílias, são dimensões determinantes da qualidade dos serviços de Creche.
Enquanto equipamento socioeducativo, que acolhe crianças até aos 3 anos de idade, é inegável o seu papel determinante no apoio à família e à criança (Portaria n.º 411/2012 de 14 de dezembro).
As famílias são sempre as primeiras educadoras das crianças tidas como parte integrante do processo educativo. Uma relação saudável entre a Creche e a família é basilar e de importância maior nesta fase de responsabilidade e proteção acrescidas (APEI, 2020).
A comunicação entre escola e família é o elemento básico da participação dos pais. Quando esse tipo de comunicação é eficaz, os pais ficam mais propensos a confiar e cooperar, a melhorar a sua interação com a escola, a compreender melhor as políticas escolares e as ações dos educadores de infância para assim acompanhar de uma melhor forma o desenvolvimento da criança (Matos, 2003).
A pandemia da Covid-19 tem trazido inúmeros desafios em todas as áreas da vida, sendo que em contexto de Creche o problema passa não só pela adaptação das condições de trabalho, mas também pelo estabelecimento das primeiras relações entre entidades e famílias. A pandemia, e o imperativo da saúde, obrigou ao distanciamento físico, redução do número de crianças por sala, utilização de espaços exteriores sempre que possível, utilização de Equipamentos de Proteção Individual (máscaras, viseiras, luvas), sempre com preocupações pedagógicas, de segurança e de saúde (APEI, 2020). As famílias, que antes eram convidadas a participar ativamente nas atividades escolares (seja pela realização de trabalhos ou presença em festas e eventos), ficaram impedidas de o fazer, sendo que os filhos passaram a ser entregues à porta da instituição, a alguém responsável da sala. As relações escola-família ficaram confinadas a contactos breves, à porta das instituições e à demonstração de trabalhos em átrios/espaços de acolhimento, migrando essencialmente para o digital.
As equipas educativas passaram a ser criativas nas formas de comunicar. O contacto ocular (o sorrir com os olhos) e a utilização da voz e do corpo assumiram grande importância nas relações, criando novos desafios no envolvimento das famílias no processo educativo.
Assim, o momento que atravessamos, devido à pandemia, evidenciou a importância de estabelecer uma relação de confiança com as crianças para que as famílias se sintam também elas confiantes e seguras e fez-nos refletir sobre a importância das relações família-criança-instituição.
Por isso, como educadoras de infância que somos, considerámos interessante perceber se: tendo em conta as contingências impostas pela pandemia (distanciamento físico, impedimento de frequentar os espaços, comunicação preferencialmente digital), estará a confiança entre famílias e instituição comprometida? Desta forma, questionámos 54 pais, da zona de Lisboa, com filhos em idade de frequência de creche sobre esta questão.
Os pais preferem a comunicação presencial à digital, mas, acima de tudo está a segurança das crianças e das famílias e por isso concordam com as novas rotinas da instituição.
Os resultados demonstram que as famílias compreendem a implementação de novas medidas de acordo com os planos de contingência e, maioritariamente, concordam com elas. A comunicação antes da pandemia era preferencialmente verbal e presencial, e com a pandemia passou a ser mais frequente por via digital, em caso de informações formais, por telefone ou pontual, na recepção e entrega das crianças.
As famílias dizem sentir-se seguras e mantêm a confiança na instituição. Ainda assim, apelam para que haja um reforço na comunicação digital e partilha de informações, como forma de se sentirem pertencentes ao sistema instituição-criança-família. Os pais consideram de extrema relevância a comunicação, pois sem a comunicação, não seria possível estabelecer relações entre as pessoas (Delicado et al., 2015). Neste caso, esta relação será com a equipa educativa da instituição frequentada pelo filho, pois para eles é importante conhecer o desenvolvimento do filho e também ter feedback deste através das pessoas que o acompanham diariamente.
Os pais preferem a comunicação presencial à digital, mas, acima de tudo está a segurança das crianças e das famílias e por isso concordam com as novas rotinas da instituição. Sugerem ainda melhorias na comunicação digital, e alguns referem que o ideal seria a comunicação ser feita presencial e também digitalmente. Possivelmente, alguns pais não terão tempo de entregar ou ir buscar os filhos à instituição, e o digital permite ter um canal aberto de comunicação com a instituição.
Assim, refletimos que apesar dos pais não poderem entrar na instituição educativa, de não poderem participar nas atividades dos filhos, a confiança mantém-se, o que revela um voto de confiança na instituição e também no bom trabalho relativamente aos planos de contingência implementados. Este mérito deve-se às equipas educativas das instituições que têm feito um esforço tremendo para se adaptarem a esta nova realidade, tendo como primeira prioridade o bem-estar das crianças. Reforçando Putman (2000, cit. in Delicado et al., 2015) a confiança é o “lubrificante” da vida social que funciona como facilitador de relações, sejam elas interpessoais ou institucionais.
Rita Brito, EEDH, ISEC Lisboa; CRC-W, UCP
Marisa Henriques, EEDH, ISEC Lisboa
Fotografia: João Ferrand
Referências
Associação dos Profissionais de Educação de Infância (APEI) (2020). Contributo para assegurar a qualidade pedagógica em Creche (0-3 anos) em tempo de covid19. Consultado a 03 de Agosto de 2021 em https://apei.pt/upload/ficheiros/var/DocumentoAPEI_final_redux.pdf
Ferrão, J., & Delicado, A. (Eds.) (2015). Portugal Social em Mudança: Portugal no contexto europeu em anos de crise. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Acedido a 17 de novembro de 2021 em https://repositorio.ul.pt/handle/10451/33278
Instituto da Segurança Social (2016). Manual dos Processos-chave Creche (2ª ed.).
Acedido em 22 de julho de 2021 em http://www.seg-social.pt/documents/10152/13337/gqrs_creche_processos-chave
Matos, M. (2003) (Ed.). Comunicação, gestão de conflitos e saúde na escola. Edições FMH.
Ministério da Solidariedade e da Segurança Social. Portaria n.º 411/2012 de 14 de dezembro. Diário da República n.º 242/2012, Série I.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.