As crianças têm a capacidade de nos fazerem as perguntas mais simples que, por sua vez, exigem as respostas mais complexas.
Filho: “Porque é que o céu é azul?“
Pai: “Não sei.”
Filho: “Paiiii… porquê?“
Pai: “Estamos atrasados, anda é mais depressa e fala menos!”
Isto não é um acaso. Fomos, em grande parte, habituados a deixarmos de nos questionar sobre temas que, embora sejam omnipresentes no nosso dia-a-dia, necessitam de conhecimentos elaborados que poucos dominam. Passamos, assim, a aceitá-los como factos para os quais não sentimos necessidade de explicação e em relação aos quais pensamos: “agora não tenho tempo”. Quantos de nós, adultos, sabem responder à pergunta colocada acima?
Mas existem outros momentos em que saímos, do nosso ponto de vista, mais airosamente:
Filho: “Porque é que quando saltamos, voltamos para o chão?”
Pai: “Existe uma coisa chamada gravidade que te puxa.”
Filho: “E então os foguetões?”
Pai: “Esses conseguem andar tão rápido que não voltam.”
Filho: “Então se eu saltar muito rápido também consigo?”
Pai: “Ermm… sim filho…”
Percebo perfeitamente que este fosse o modelo possível nos anos 80, quando eu nasci. E nem sequer falo das épocas anteriores. O conhecimento sobre o mundo era reservado a uma elite e ser autodidata era complexo. Para isso, necessitávamos de encontrar os livros certos, pela ordem certa, para ter as bases para chegar ao conhecimento pretendido. Mais do que isso, a maioria dos livros de física não tem um capítulo dedicado à questão “Porque é que o céu é azul”.
Percebo também a tentação de considerar que as crianças não têm capacidade para respostas “reais”, por exemplo, sobre o facto de a massa de um planeta afetar a sua gravidade. Mas a expressão “explica-me como se eu fosse uma criança” tem uma verdade subjacente brutal, isto é, se realmente soubermos muito bem uma matéria é possível encontrar maneiras simples de a explicar, nem que seja através do uso de metáforas e analogias. O problema é claro, nem sempre as sabemos… mas estamos na era da informação!
Agora já podemos facilmente encontrar as respostas a perguntas complexas. Mas continuamos a infantilizar as nossas respostas às crianças (ou a ignorar as perguntas) como se não lhes pudéssemos responder ou elas estivessem cognitivamente limitadas ao que nós próprios sabíamos quando tínhamos a sua idade.
Agora com o acesso generalizado à internet, todos acedemos a mais informação do que qualquer pessoa – fosse investigador, cientista, astrónomo, milionário ou um génio – há 30 anos. Nesse sentido, creio que no futuro (caso usemos este potencial) poderão equiparar esta época à saída da Idade Média para o Renascimento.
No entanto, parece haver pouca consciência disso e da sua importância. Agora já podemos facilmente encontrar as respostas a perguntas complexas. Mas continuamos a infantilizar as nossas respostas às crianças (ou a ignorar as perguntas) como se não lhes pudéssemos responder ou elas estivessem cognitivamente limitadas ao que nós próprios sabíamos quando tínhamos a sua idade.
Sendo realista, é óbvio que o acesso à informação, por si só, não muda nada. É interessante pensar: o que acontece se mudarmos em simultâneo a nossa visão? E se amanhã quando o vosso filho, sobrinho ou mesmo um jovem vizinho, vos perguntar algo semelhante e virem nos olhos dele a curiosidade a brilhar, vão-se dar ao trabalho de responder ou de usar o Google e aprenderem também algo para depois ensinar?
É em casa que começa a educação, não só de valores, mas de atitude. Se não sei, aprendo! É isso que quero que os meus filhos pensem, e isso só se absorve pelo exemplo. Confesso… dá trabalho! Às vezes é algo que nós próprios vamos demorar a compreender para depois explicar. Mas o resultado, pela minha experiência, vale totalmente a pena.
As conversas ganham também todo um novo universo fascinante. Quando não sei algo, chamo-os para pesquisar comigo. Vemos imagens, fórmulas (de cientistas loucos claro!) números estranhos e corpos humanos em desenhos. Vemos como é uma gazela-girafa ou há quantos anos achamos que desapareceram os dinossauros (ui tantos 0… que número é este?).
A escola carrega uma parte importante da educação, mas somos nós que temos o dever de lhe “abrir a porta” e não nos pormos de parte. E podemos não ficar por aí, podemos ir mais além:
Filho: “Papá, a fada dos dentes existe?”
Pai: “Excelente pergunta. O que é que tu achas?”
Filho: “Acho que não existe, são os pais que trocam o dente…”
Pai: “Ok, então mas… como chegaste a essa conclusão?”
Filho: “Nunca a vi…”
Pai: “Então, mas também nunca viste o ar. E quando há vento sente-lo a bater na tua cara. Ou quando sopras..”
Filho: “Então ela existe?”
Pai: “Não sei. Pensa como podemos descobrir…”
E foi mais ou menos assim que Neil deGrasse Tyson, famoso astrofísico, levou a que a sua filha combinasse com todos os colegas de escola que o primeiro a quem caísse um dente sem que um adulto visse, o guardaria e poria debaixo almofada sem dizer a ninguém.
Basicamente, conseguiu que a sua filha elaborasse:
1. Uma teoria
2. Uma experiência para a demonstrar
3. Um resultado empírico reproduzível
Há quem precise de chegar à Universidade para passar a usar este tipo de raciocínio.
Cá em casa para tornarmos isto mais divertido optamos por ter um Google Home Mini ao qual podemos fazer perguntas por voz. E aí as perguntas como “Pai, em que ano é que D. Dinis se tornou rei?” passam a ser um “jogo” onde cada um diz a data que considera correta. Depois perguntamos ao “Rei Google”, como os meus filhos lhe chamam, e vemos quem “ganhou”. Digamos que é o nosso Joker familiar.
A educação por vezes é complicada, mas outras vezes é tão simples! Basta não apagar o fogo da curiosidade nos olhos da criança à nossa frente, mas alimentá-lo. E agora temos ferramentas que tornam isso (mais) possível!
Já olharam para o céu, certamente, um sem número de vezes… mas sabem porque é que ele é azul ou já perderam a curiosidade?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.