A utilização do TikTok por parte dos jovens, e também das crianças, tem tido uma tendência sustentada de crescimento, mas este crescimento foi muito significativo durante a pandemia Covid-19. As crianças e jovens focam avidamente os seus olhares nos curtos vídeos, reproduzem coreografias e tendências, e parecem mergulhados num mundo alternativo que os adultos, na maior parte das vezes, desconhecem.
O tempo crescente dedicado à utilização desta plataforma social, e esta sensação de estranheza e distanciamento que se vai erguendo entre os jovens e os adultos, tem sido motivo de preocupação para pais e educadores. Mas antes de partirmos para a sua rejeição, vale a pena tentar mergulhar neste mundo e compreender o que atrai tanto os jovens nesta plataforma.
O TikTok é uma plataforma de criação de vídeos curtos que disponibiliza várias ferramentas, filtros e conteúdos que tornam muito fácil para os utilizadores criarem os seus próprios vídeos. Desde o seu início, muito associado a vídeos musicais, coreografias e sincronização de lábios com áudio, a plataforma tem evoluído e vários formatos têm emergido, tornando-a uma plataforma variada, divertida e de fácil consumo. Uma característica distintiva do TikTok é que o seu algoritmo não se baseia apenas no comportamento anterior dos utilizadores da plataforma. Na secção “For You”, os utilizadores podem encontrar uma seleção de conteúdos que tem em conta os seus interesses e preferências, mas que também os conjuga com os vídeos mais vistos por outros utilizadores e que considera tendências da plataforma.
Recentemente, tenho trabalhado juntamente com o investigador Alexandre Duarte, num projeto que tem como objetivo conhecer melhor como se configura esta relação entre os jovens e o TikTok, no contexto português. Os nossos resultados são um bom ponto de partida para uma reflexão crítica sobre o papel que esta plataforma pode ter, e deve ter, na vida dos jovens.
Portanto, os pontos negativos também são evidentes. Outro deles é o caráter fortemente viciante do TikTok.
Um ponto positivo importante é que o TikTok dá resposta a duas necessidades muito importantes na adolescência: a construção e expressão da própria identidade, e a integração no grupo de pares. Ao tornar muito fácil a criação de conteúdos, a plataforma permite aos seus utilizadores explorarem várias facetas de si próprios, e expressarem-se. Por exemplo, observámos que os mais jovens, no nosso estudo entre os 10 e os 12 anos, são quem mais cria conteúdos e gosta de explorar novas ideias na plataforma, ao passo que os mais velhos, na nossa amostra dos 13 aos 16 anos, já pensam de forma muito mais estratégica e crítica sobre os conteúdos que criam e publicam, sempre tendo em conta qual poderá ser a reação dos seus pares e como é que isso se irá refletir no seu estatuto no grupo. E é precisamente este sentido de pertença ao grupo que o TikTok também proporciona porque, ao invés de apostar na extrema individualização e personalização, recupera a dimensão de elo social que era tão característica dos meios de comunicação de massa e proporciona temas de conversa e experiências partilhadas, unindo os jovens em torno de uma cultura própria que nesta plataforma, criativamente, emerge. Os adultos podem achar as “dancinhas” ridículas e não compreender o sentido de humor de algumas memes e sketches, mas estas referências partilhadas aproximam os jovens, permitem a jovens que, numa fase das suas vidas em que a socialização entre pares é importantíssima, se viram fechados em casa durante dois confinamentos, e tiveram as suas interações sociais muitíssimo limitadas, conectarem-se com outros jovens. Por outro lado, esta plataforma também incita a comparação social, na qual existe sempre uma tendência para avaliar a vida dos outros como melhor do que a nossa, visto que cada um tende a partilhar experiências selecionadas, filtradas, construídas e encenadas para serem o mais positivas e atrativas possível. Um foco excessivo nesta comparação social negativa conduz à insatisfação e, por vezes, a problemas de saúde mental como a baixa autoestima e a depressão.
Portanto, os pontos negativos também são evidentes. Outro deles é o caráter fortemente viciante do TikTok. O facto de os conteúdos serem curtos, torna mais propício a que os jovens queiram ver o próximo vídeo, na expectativa de que seja ainda mais divertido do que o anterior, dizendo a si próprios que é só mais um, mas dando-se conta de que afinal já passaram muito mais tempo nesta atividade do que tinham planeado, preterindo o convívio com a família, os estudos, desporto e outras atividades, o sono. Outro perigo é a exploração comercial da plataforma por parte de empresas e marcas. O nosso estudo revelou que os jovens portugueses, mesmo os mais velhos, têm lacunas no que respeita à literacia para a publicidade. Têm dificuldades em compreender como é que estas plataformas digitais funcionam, não conseguem identificar o seu modelo de negócio assente na dataficação, algoritmização e publicidade, e não conseguem explicar quem ganha dinheiro nem como. Os jovens também são muito vulneráveis ao marketing de influência. Conectam-se facilmente com outros criadores de conteúdos, também jovens, com quem se identificam facilmente, e a quem conferem muita credibilidade e confiança. Têm dificuldade em identificar a promoção de marcas nos conteúdos destes influenciadores, acreditam que eles dão a sua opinião genuína sobre produtos, marcas e experiências, e acham que eles criam conteúdos e partilham as suas vidas porque querem o melhor para os seus seguidores.
O nosso estudo revelou, portanto, que demonizar o TikTok é tão infrutífero como proibir a sua utilização. Esta plataforma já está enraizada na cultura digital jovem, é fonte de novas linguagens, comportamentos, códigos e simbolismos, e será certamente marcante para as Gerações Z a Alpha.
Relativamente a este tema, o nosso estudo incluiu, além de um inquérito por questionário aos utilizadores do TikTok, entrevistas a jovens portugueses que se destacam na plataforma como criadores de conteúdos. Foi animador constatar que estes influenciadores, apesar de serem também todos muito jovens, têm consciência de que são um exemplo para os seus seguidores, e encaram com grande responsabilidade, e até alguma pressão, o facto de serem modelos para muitas outras crianças e jovens. No entanto, admitem que por vezes erram – por exemplo, dizendo palavrões nos seus conteúdos, incitando comportamentos menos positivos, ou até associando-se a marcas de que não gostam genuinamente – mas justificam-no dizendo que eles próprios também são jovens e têm ainda muito para aprender.
O nosso estudo revelou, portanto, que demonizar o TikTok é tão infrutífero como proibir a sua utilização. Esta plataforma já está enraizada na cultura digital jovem, é fonte de novas linguagens, comportamentos, códigos e simbolismos, e será certamente marcante para as Gerações Z a Alpha. Ao invés de nos perguntarmos “mas o que é que há de tão especial no TikTok para as crianças e jovens ficarem tão viciados?”, talvez devamos perguntar-nos “como é que eu aproveito o que há de melhor no TikTok, e capacito os jovens para lidarem com os seus aspetos negativos?”. Há várias experiências interessantes de professores e educadores que têm integrado esta plataforma com sucesso nas suas estratégias pedagógicas, sobretudo durante o Ensino Remoto de Emergência, encontrando nela uma forma de motivar os jovens para as aprendizagens, e de se conectarem com eles. E proibir raramente é a solução para qualquer que seja o problema. Pelo contrário, é necessário ensinar, formar e capacitar as crianças e jovens para que sejam capazes de tomar as suas próprias decisões de modo consciente e responsável. E para todos aqueles que nunca experimentaram fazer uma coreografiazinha do TikTok com os vossos filhos, experimentem! O som das gargalhadas partilhadas em família vai valer a pena as figuras ridículas que vão fazer.
Duarte, A. & Dias, P. (2021). TikTok: usos e motivações entre adolescentes em Portugal. Chasqui – Revista Latinoamericana de Comunicação 147. https://doi.org/10.16921/chasqui.v1i147.4419
Fotografia de Solen Feyissa – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.