Nas escolas, nas salas de aula, todos os dias, confirmamos esta afirmação. Que não há aprendizagem significativa sem relações significativas.Todos os alunos precisam de sentir que existe relação para além do conhecimento, que existe cuidado, disponibilidade, vontade em perceber como estão.
Nas comunidades mais desfavorecidas estas relações, essenciais à aprendizagem, tornam-se ainda mais prementes. Muitos alunos chegam à escola com histórias de vida que surpreendem qualquer adulto. A escola não recebe só os alunos: recebe o seu passado, as suas angústias, as ansiedades, os medos, as frustrações, a violência ou as dúvidas que têm sobre si mesmos. E em muitos casos estas histórias complexas provocam nos alunos a internalização da mensagem de que estão destinados a falhar. Falhar recusando ajuda, desistindo facilmente, não se envolvendo, com baixa autoestima e não acreditando em si mesmos.
É a partir desta combinação de histórias, simultaneamente difícil e rica, que a escola tenta garantir que cada aluno se pode tornar na melhor versão possível de si mesmo. E, em cada caso, são os pequenos gestos de amor que constituem ferramentas extraordinárias para mudar vidas. Para transformar comunidades. Para quebrar ciclos de pobreza.
Por exemplo, a Inês na escola de Perafita reparou no olhar triste e abatido da Sofia no fundo da sala ao receber o teste de História. Foi ter com ela e perguntou “Como estás hoje?”. A Sofia respondeu “tive ‘Suficiente’ no teste, mas tinha uma anotação que não percebi”, disse em voz baixa. A Inês viu o teste e a anotação referia que o mesmo era adaptado com consulta do manual. A aluna não percebeu e lamentou: “nem usei o livro para consultar nada, não quero isto”. No final, sentaram-se ambas a partilhar melhor o que a aluna estava a sentir. A Inês fez questão de explicar que todos temos pontos de partida diferentes, o que não faz de nós menos capazes, mas sim lutadores. A explicação do objetivo devolveu um sorriso ao rosto da Sofia, ficando a confiar mais no caminho que estava a percorrer.
E, em cada caso, são os pequenos gestos de amor que constituem ferramentas extraordinárias para mudar vidas. Para transformar comunidades. Para quebrar ciclos de pobreza.
A função da Inês é garantir que nenhum aluno fica para trás e que tem todas as oportunidades para se desenvolver. A Inês é Mentora da Teach For Portugal, uma ONG que recruta Mentores profissionais de várias áreas para colaborar com professores em sala de aula e em projetos da escola. O objetivo é desenvolver nos alunos competências essenciais para o seu futuro para obter os tão desejados resultados escolares.
Na escola Ramalho Ortigão no Porto, numa aula de Informática com a Mentora Juliana, o Rui era um dos poucos alunos a fazer o exercício sozinho e que tinha entrado cabisbaixo na aula. Disseram-lhe que tinha perdido o pai e que muitas vezes chorava e não conseguia estar atento. A Juliana aproximou-se e perguntou o que estava a fazer. Não teve resposta. Perguntou se queria pesquisar alguma coisa do seu interesse, e tinha consistentemente um não, “não quero fazer nada”. A Juliana decidiu então tentar outra opção: o jogo da forca no PowerPoint: 7 sublinhados num slide, e com várias tentativas e erros, começou a divertir-se. E acertou na resposta final cheio de alegria! Depois destes sorrisos, disse-lhe “Rui, estou aqui há algum tempo e agora em vez de jogar vamos pelo menos responder a uma pergunta, poder ser?” E o Rui diz prontamente: “sim, Juliana”. Trabalharam até ao final da aula. Quando foi a hora de sair, o Rui não quis terminar, e continuou a fazer o exercício até ao fim, saindo da sala de cabeça erguida..
Numa outra sala de aula, em Grijó, a mentora Vanessa repara que a Joana é uma aluna gentil e carinhosa, mas ao mesmo tempo completamente apática nas aulas, talvez achando que o melhor momento da aula é o toque de saída. A Joana fugia das aulas e dos professores, recusava-se a fazer qualquer tarefa simples ou até conversar. A mentora não se conformava. Tinha de conseguir alguma aproximação. Começou por se sentar ao lado dela nos recreios, primeiro com um simples ‘bom dia’, sem mais nada. Ia perguntando “Como te sentes?” e as primeiras respostas eram simples como “bem” ou “mais ou menos”. Perseverando, começou a conseguir respostas mais elaboradas: a Joana partilhou que nunca ia conseguir fazer nada bem a Matemática. Aproveitando a partilha, a mentora Vanessa começou por acompanhar a aluna em exercícios simples. Onde havia mais dificuldade, continuavam nos intervalos. Gradualmente continuaram a conversar, a mentora Vanessa contava alguns dos seus receios, a Joana partilhava inseguranças. No final do 1º período já não era preciso ir atrás da Joana para vir às aulas e começou a fazer exercícios na aula autonomamente. A relação de confiança continuou: falam sobre os trabalhos manuais da Joana. Aproveitaram para decorar a secretária da escola com uma árvore de natal em papel que a aluna tinha construído em casa. No último dia de aulas a mentora Vanessa viu, pela primeira vez, o sorriso da Joana. E continua sem desistir dela.
Uma frase, um sorriso, um reforço positivo são armas poderosas capazes de mudar vidas. De mudar tantas crenças negativas que muitas crianças têm sobre si mesmos. “Quando chegar a casa, vou dizer à minha mãe que tive coragem para dizer as minhas dúvidas.” A escola é o lugar mais seguro para errar, para criar relações e para fazer cada aluno acreditar no seu máximo potencial.
Nota: A frase do título é inspirada em Rita Pierson numa TED talk viral sobre aprendizagem.
Fotografia: Adam Winger – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.