É tão frequente vermos crianças e jovens colados aos ecrãs de smartphones ou tablets, que tendemos a fazer uma associação automática entre esta faixa etária e um enorme gosto pelas tecnologias digitais. No entanto, nos últimos anos, tem-se verificado, e vindo a estudar, uma tendência emergente de jovens (não tanto crianças) que se sentem assoberbados com a sobrecarga de informação e estímulos que lhes chega do mundo digital, que reconhecem desvantagens nesta ligação constante, e que desejam mesmo combater o que já consideram ser um vício. Estão em processo de desconexão digital.
Este tema está a ser estudado em Portugal através do projeto Disconnect, no qual colaboro como investigadora. Embora os resultados sejam ainda preliminares, vale a pena refletir sobre algumas das descobertas. O projeto incidiu sobre experiências de desconexão digital de jovens entre os 15 e os 18 anos, e a sua metodologia assenta em entrevistas em profundidade.
Em primeiro lugar, é interessante notar que a iniciativa de desconexão digital parte dos próprios jovens, de uma tomada de consciência sobre a relação entre o seu uso dos meios digitais e o seu bem-estar. Em alguns casos, os jovens viveram experiências de desconexão temporária – umas férias com os pais num local com difícil acesso à internet, um acampamento de escuteiros onde o acesso aos telemóveis era limitado, um estágio desportivo ou uma competição – que os levou a observar benefícios dessa desconexão. Os jovens reportaram que se sentiram menos ansiosos, mais envolvidos nas atividades que estavam a fazer presencialmente, mais ligados às pessoas à sua volta, e menos descontentes com as suas vidas, por deixarem de se focar nas redes sociais como termo de comparação. Noutros casos, os jovens observaram um impacto negativo do uso dos media digitais, que reconheceram como excessivo, no seu bem-estar físico e mental. Descrevem ansiedade e depressão, dificuldade em focar-se nos estudos, o uso das redes sociais como desculpa para a procrastinação, a dificuldade em controlar os impulsos para usar as redes sociais ou jogos online, perturbações do sono, e, sobretudo, a sensação de que estavam a gastar o seu tempo numa atividade que não lhes acrescentava nada, mas que não o conseguiam evitar.
Estes jovens dizem-nos terem consciência de que não conseguirão erradicar o digital das suas vidas, principalmente pelos estudos, e certamente no futuro devido ao trabalho. Mas aprenderam que é a cada um deles que compete decidir quando estar on e off, gerir o seu tempo e as suas vidas.
Quer lá tenham chegado pela positiva ou pela negativa, face à constatação de que o tempo dedicado aos media digitais era excessivo e ao desejo de o reduzir, os jovens também nos relataram estratégias diversificadas para atingirem os seus objetivos. Alguns jovens optaram por uma abordagem radical de desconexão, abandonando as práticas digitais que consideram mais nocivas – desde o consumo de pornografia online, aos jogos e apostas online, passando pelas redes sociais. No caso das redes sociais, os jovens sentiram uma maior dificuldade, pois abandonar estas plataformas implica ficar excluído de certos círculos sociais. Talvez por isso mesmo, outros jovens optaram por estratégias de autorregulação, em que definiram regras para si próprios sobre o tempo que iam dedicar a atividades online, e que atividades online seriam essas. Esta autorregulação passa pelo estabelecimento de um tempo diário que consideram razoável para dedicar a atividades digitais, que normalmente varia entre uma a duas horas, e numa seleção das atividades a que se dedicam, entre as quais a exclusão de algumas redes sociais se destaca.
Nas entrevistas aos jovens, impressiona a luta interior que nos relatam. Usam vocabulário como vício, ressaca, recaída, culpa. Descrevem uma pressão enorme por parte dos seus pares para se manterem ligados, sobretudo às redes sociais. Estimulam-nos a voltar a estas plataformas, ou a serem mais ativos, sob pena de exclusão. Mas os jovens recorrem também a um círculo mais próximo de pares com quem discutem estes temas. por vezes, tomam a decisão de desconectar em conjunto com alguns amigos mais próximos, e motivam-se uns aos outros, apoiando-se também quando algum não atinge as metas pretendidas.
Mas após este caminho pedregoso, os relatos iluminam-se com vidas mais preenchidas, com a força de vontade renovada para adquirir novos conhecimentos, desenvolver novas competências e atingir objetivos pessoais há muito esquecidos – meditação, tocar piano, fazer desporto, perder peso, entre tantos outros. A um maior controlo sobre si mesmos acresce a redescoberta de amizades que realmente valem a pena, de quem se deu ao trabalho de passar a usar o telefone ou de combinar encontros presenciais, valorizando mais a manutenção da amizade do que o conforto de ter o amigo à distância de um clique. Estes jovens dizem-nos terem consciência de que não conseguirão erradicar o digital das suas vidas, principalmente pelos estudos, e certamente no futuro devido ao trabalho. Mas aprenderam que é a cada um deles que compete decidir quando estar on e off, gerir o seu tempo e as suas vidas. Tornaram-se mais resilientes e autónomos. E mais felizes.
Deste relato de esperança, fica uma dúvida: qual é o papel dos pais? Os jovens dão-lhes pouca importância neste processo. Não conversam com os pais sobre o tema, não lhes pedem apoio nem ajuda. Porquê? Porque identificam uma enorme incongruência entre o seu discurso, que impõe a regra de não haver telemóveis à mesa e que lhes diz que deviam passar menos tempo online, e o seu comportamento, também eles vidrados nos ecrãs, usando a desculpa “isto é para o trabalho”.
As experiências destes jovens são uma lição de força de vontade, resiliência, maturidade e responsabilidade. É importante partilhá-las para que cada jovem saiba que ele próprio está no comando da sua vida, e tem a capacidade de tomar decisões sobre o que é melhor para si. Mas não tem, e não o deve, fazer sozinho. Os adultos não se podem demitir de amparar os jovens neste processo, desejavelmente fornecendo um bom exemplo. Talvez os adultos também precisem de aprender, antes de poderem ensinar, que estar on ou off, é cada um que decide.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.