O que é uma pessoa bem educada?

O adulto bem educado retira-se, por vezes, para depois voltar mais forte e clarificado. Entende-se consigo mesmo e aprende esta verdade dura e maravilhosa: ninguém pertence a ninguém, cada um pertence-se a si mesmo e a Deus.

Na semana passada, depois de partilhar com educadores de um colégio algumas ideias sobre “O que é educar bem? O que é um miúdo bem educado?” percebi que tudo o que disse se pode aplicar também a nós, os crescidos. E achei que eu, afinal, talvez não seja tão bem educado como pensava… Não me refiro à simples educação exterior, claro, mas à do carácter. Aqui vão alguns pensamentos acerca de miúdos bem educados tentando perceber como estas ideias se podem traduzir para nós, adultos… Mas aviso já que se trata de ideais tão grandes que nenhum filho nem nenhum pai os cumpre na íntegra a não ser o Filho de Deus e o Seu Pai!

 

1. UM MIÚDO QUE NÃO PENSE SÓ EM SI

Um miúdo educado levanta-se no autocarro para dar o lugar a uma pessoa idosa, partilha o brinquedo ou as gomas com o outro miúdo, não goza com o colega deficiente mas dá-lhe o braço, passa a bola ao amigo sem jeito e vai visitar a avó doente. Aprende que é querido por muita gente mas que não é o centro do universo. As coisas não giram em função de si e ele próprio será tanto maior quanto mais se souber voltar para os outros em atenção e gestos concretos.

O adulto mal educado até pode fazer tudo isto mas unicamente por fora, para cumprir regras ou não ficar mal na fotografia. Interiormente está sempre a pôr-se a pergunta “E eu? O que é que eu ganho?” O adulto bem educado, pelo contrário, está interiormente atento às necessidades dos outros por uma vontade genuína de que eles sejam mais felizes e uma fé sincera em si mesmo e no poder que tem de tornar um pouco melhor a vida dos que estão à sua volta. E recorda Jesus, que vivia para os outros e dizia: “o que quiseres que os outros vos façam, fazei-lho vós também” (Lc 7, 31).

 

2. UM MIÚDO QUE DÊ VALOR ÀS COISAS QUE NÃO TÊM PREÇO

Um miúdo bem educado dá valor às coisas que não têm código de barras, às coisas que não se compram. Dá valor à amizade, a uma caminhada no campo, a uma sessão de anedotas, aos ténis herdados do irmão e ao disfarce de carnaval feito com os trapos lá de casa. (Ainda que o seu olhar tantas vezes lhe fuja para os ténis de marca, para o telemóvel topo de gama e para o skate que o primo rico recebeu no Natal). E aprende a dar valor a Deus e a outras coisas que ninguém vê porque – como escreveu Saint Exupéry – “O essencial é invisível aos olhos”.

O adulto bem educado dá valor às coisas materiais (a uma boa refeição, a uma boa casa, a um bom carro) mas não põe nestas coisas a sua segurança e o seu valor pessoal. Procura ser rico de honradez, fé, alegria de viver, força interior e de todas essas coisas que não se pagam mas que são muito grandes e valiosas. E recorda Jesus, que dizia: “Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no céu.” (Lc 12, 33).

 

3. UM MIÚDO QUE SAIBA NÃO TER SEM FICAR FRUSTRADO

Um miúdo mal educado faz uma grande birra no supermercado até conseguir que os pais lhe comprem o chocolate, amua se não o deixam ver os bonecos animados e não aguenta não ter o brinquedo que o colega tem. Põe tanto da sua segurança em satisfazer as suas necessidades imediatas que não aguenta a frustração de não ter o que deseja. Um miúdo bem educado fica com pena de não ter mas aprende que nem sempre podemos ter o que desejamos, que a vida é assim mesmo e que ela é maravilhosa mesmo assim. Além disso, ele fica a perceber que nem sempre temos sucesso, que, no basket, por exemplo, umas vezes ganhamos e outras perdemos. E que com tudo podemos aprender.

O adulto mal educado cala os seus fracassos e fica frustrado ao comparar o seu carro com o do vizinho e a promoção do colega com a sua não-promoção. O adulto bem educado aprende a ter perante a vida uma atitude desportiva, a ganhar e a perder sem se achar o máximo nem se sentir rebaixado. Recorda o que dizia S. Paulo: “Sei passar por privações e sei viver na abundância” (Fil 4, 12) e aprende a tirar partido de tudo o que a vida traz.

 

4. UM MIÚDO QUE SAIBA ESPERAR

Um miúdo mal educado – se os adultos deixarem – come de uma só vez o chocolate todo sem deixar nenhum quadradinho para o dia seguinte, adia as coisas chatas até não poder mais e não consegue esperar pelo fim da refeição para dar uns pontapés na bola. Um miúdo bem educado aprende que a vida tem coisas que dão prazer e outras mais chatas e que, por vezes, o melhor é fazer primeiro os trabalhos de casa e só depois ir jogar para o computador. Até porque assim pode desfrutar inteiramente o jogo sem “pendentes” na cabeça…

O adulto bem educado recorda que Jesus passou aproximadamente 30 anos de “vida oculta” para só depois dizer e fazer quase tudo o que sabemos dele. Percebe que as coisas importantes (como a fé, a carreira profissional ou o amor) são processos de construção e que é natural no início não termos tudo o que teremos mais tarde. É preciso dar tempo ao tempo e ter paciência. É natural namorar sem ter tudo o que os casados têm; é natural começar um novo emprego e não ser maravilhoso; é natural, por vezes, dedicar a Deus 1 hora de oração e essa hora ser uma “seca”. Está-se a investir, está-se a construir. E para se saber construir tem de saber esperar: investir, poupar e dar tempo ao tempo. O adulto bem educado sabe poupar; o adulto mal educado vive do crédito: gasta no presente hipotecando o futuro.

 

5. UM MIÚDO QUE SABE ESTAR SOZINHO

Uma criança bem educada aprende a dar-se aos outros, a socializar e a criar laços fortes de amizade e de amor mas aprende também a ter uma boa relação consigo, a entender-se sozinho consigo mesmo. Não tem sempre de ter a televisão ligada ou de estar online. Sozinha, a criança vai criando um mundo interior, alimentando a criatividade e organizando as ideias.

Como Jesus, que era um homem de pessoas mas que tantas vezes se retirava, o adulto bem educado retira-se, por vezes, para depois voltar mais forte e clarificado. Entende-se consigo mesmo e aprende esta verdade dura e maravilhosa: ninguém pertence a ninguém, cada um pertence-se a si mesmo e a Deus. E porque sabe estar sozinho não ama para tapar os seus buracos afectivos e porque “todos temos de ter alguém” mas porque desse amor pode resultar um acréscimo de bem para si e para a outra pessoa. Dá sem cobrar, ama livremente e aprende a viver para os outros e não em função deles.

 

6. UM MIÚDO QUE SEJA VERDADEIRO E HONESTO

Um miúdo bem educado não mente. Não diz tudo o que pensa mas pensa em tudo o que diz segundo critérios de rectidão (e não de conveniência). O miúdo mal educado mente a torto e a direito para se “safar” e acha-se muito esperto embora não perceba que, no processo, a sua palavra perde o valor e o seu nome perde a credibilidade.

O miúdo mal educado depois cresce e diz frases como “o mundo é dos espertos” e “todo o homem tem um preço”. O adulto bem educado tem uma cara só. Ouviu Jesus que disse para afirmarmos “sim” quando é “sim” e “não” quando é “não” (Mt 5, 37). Sabe que não podemos agradar a toda a gente e que o mais importante é a rectidão perante um Pai que vê tudo, até o que está mais secreto em nós.

O adulto educado não tem preço.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.