O gozo da alegria da comunhão a partir do medo

É um caminho desafiante, parece que nem todos conseguem passar pela sua estreiteza, mas é a confiança num Pai que não se cansa de esperar com os braços abertos para nos acolher, sempre, mesmo quando nos afastamos, que nos pode conduzir.

No evangelho do passado domingo, Jesus dirige-se aos apóstolos, advertindo: “Não tenhais medo dos homens (…)”. Cada um de nós vive, de diferentes formas, condicionado pelos seus medos, e ao ler este evangelho perguntava-me: “De que tenho medo, realmente? Tenho medo de não chegar onde quero? De não conseguir estar à altura do que os outros esperam de mim? De falhar perante as ‘normas’ pautadas pela sociedade?” Muitas outras perguntas foram levantadas e cada um terá as suas. Contudo, diante de toda esta interrogação, foi sendo evidente que na origem estava o alheamento de Jesus, a confiança deposta exclusivamente nas minhas capacidades, a sobrevalorização das necessidades e interesses dos demais desconsiderando a Sua vontade.

Por vezes, não reconhecemos que somos amados por Ele. Pomos toda a confiança em nós, apesar de termos mais ou menos consciência da nossa pequenez, fragilidade e impotência. Naturalmente, os medos surgem; porque muitas vezes o desejo é maior que a capacidade – que temos ou somos capazes de ver.

Sendo isto parte integrante da nossa humanidade, tão bem relatada por aqueles que mais perto de Jesus estiveram como Maria que se perturba perante o anúncio do anjo Gabriel (Lc 1,29-30); ou Pedro (Mt 14, 30) quando Jesus caminha sobre as águas e lhe pede que vá ter com Ele e que ao duvidar pela sua falta de fé começa a afundar-se. Com estes exemplos, podemos entender que é no temor – no desejo de não querer nada mais que a vontade de Deus que o Espirito Santo afina o nosso olhar e vontade. Assim, o surgimento de medos pode ser, um sinal de alerta da possibilidade de nos estarmos a afastar da Sua vontade. Perante este reconhecimento e confronto com a nossa humanidade, o caminho passa pela adjudicação, que com a humildade que implica nos aproxima de Jesus, criando-se espaço em nós para sentir que também é nossa vontade só n’Ele confiar. É um caminho desafiante, parece que nem todos conseguem passar pela sua estreiteza, mas é a confiança num Pai que não se cansa de esperar com os braços abertos para nos acolher, sempre, mesmo quando nos afastamos (“Parábola dos dois filhos” – Lucas 15:11-32) que nos pode conduzir.

Perante este reconhecimento e confronto com a nossa humanidade, o caminho passa pela adjudicação, que com a humildade que implica nos aproxima de Jesus, criando-se espaço em nós para sentir que também é nossa vontade só n’Ele confiar.

No princípio do evangelho já citado, Jesus acrescenta: “Temei antes Aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo. (…). Portanto, não temais.” O medo com que nos deve deter será o de desperdiçarmos a nossa vida com coisas que não nos dão a verdadeira Vida, mas que antes a consomem. O temor a Deus para que somos advertidos, passa por não sabermos gozar das oportunidades de escolher o que mais nos aproxima de Deus, deixando-nos escravos das necessidades, carências, vulnerabilidade ao material. Coisas que roubam o espaço necessário à nossa relação com Deus.

Olhemos uma vez mais para Maria no canto do Magnificat – “E o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da Sua serva’” É este caminho de libertação que permite a comunhão com Deus e com os irmãos que nos acompanham. E é a fidelidade e compromisso a este desejo de comunhão que nos faz gozar da verdadeira alegria.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.