O encontro

O encontro ou reencontro com uma pessoa nunca é uma situação banal e isenta de consequências. Os encontros transformam-nos, convertem-nos, abrem-nos a novas direções.

O encontro ou reencontro com uma pessoa nunca é uma situação banal e isenta de consequências. Pode ser hoje ou amanhã que, num jantar com amigos, se conhece alguém, aparentemente improvável, com quem se estabelece uma rara empatia, início de uma amizade inesperada. Mas também pode referir-se ao passado: reconhecermos na pessoa sentada ao nosso lado uma amiga do liceu ou o farmacêutico já reformado; descobrirmos, seguindo com os olhos um caloroso aceno, uma companheira de viagem ou um colega de profissão. Tais incidentes provocam sempre alegria e troca de expressões afetuosas. Da mesma forma um objeto cuidadosamente guardado numa caixa de laca ou na gaveta de um móvel, há muito ali esquecido, carrega recordações que trazem à memória pessoas, encontros familiares, costumes e lugares fora de moda. Mas lá está a ternura, lá está o afeto.

Na produção literária desde os grandes clássicos e incluindo a Bíblia, são os encontros e desencontros das personagens que dão espessura à intriga, transmitindo emoções tanto sublimes como perturbadoras. E aqui a memória traz-nos o que Aristóteles na sua Poética explica como efeito catártico da tragédia, através dos sentimentos de terror e piedade que provoca nos espetadores. Extraordinário exemplo desta forma de fazer despertar um valor ético, como o remorso por um ato indigno de um rei, é o diálogo de David com o profeta Natan, no Antigo Testamento. A mesma linha segue o enredo de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, e porque não referir também O Rei Leão, da Disney?

No Novo Testamento, todos os encontros com Jesus têm extraordinárias consequências: ele cura os doentes e perdoa os pecados; traz à vida Lázaro, o filho da viúva de Naim, o servo do centurião, a menina de 12 anos que “estava a dormir”. Toma a iniciativa de falar com a mulher samaritana junto ao poço, atitude que escandaliza os próprios discípulos; aceita o encontro noturno e clandestino com Nicodemos; convive e comparte a mesa com gente desprezível aos olhos dos seus contemporâneos, para quem pureza era separar o justo do injusto, o santo e o profano, comportamento que o levará à cruz.

Tocar Jesus

Vejamos de perto dois desses encontros de Jesus, tal como nos são narrados por Lucas, no seu evangelho. Na sua profunda debilidade, provocada pelo pecado e pela doença, duas mulheres transgressoras segundo os rígidos moldes socioculturais da época, acercam-se de Jesus e tocam-no. São, respetivamente, a mulher pecadora na cidade (Lc 7,36-70) e a que sofria de um fluxo de sangue havia doze anos (Lc 8,43-48), o que a tornava estéril. A primeira insinua-se na casa do fariseu, onde Jesus ia jantar, com um frasco de alabastro contendo um perfume raro. Depois de o derramar sobre Jesus, este perdoou-lhe os pecados e disse ”A tua fé te salvou. Vai em paz”. A outra mulher impura, dada a natureza particular da sua doença, aproximou-se por trás, e, tocando-lhe na orla do manto, sentiu-se instantaneamente curada, ouvindo de Jesus “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz”.

O encontro salvador

O Jesus de Lucas não olha para os pecadores em abstrato, mas vê as personagens singulares integradas em situações concretas que funcionam como pontos de partida para um encontro salvador. Lucas, mais do que os autores dos outros evangelhos sinóticos (S. Mateus, S. Marcos), quer que os leitores se identifiquem com os pecadores, pois são estes que sentem a necessidade desse encontro. Enquanto os pecadores se mostram dispostos a reconhecer a sua condição, porque têm o espírito de “metanóia”, isto é, de transformação interior, humildade e compunção, os fariseus, justos na observância mas não na misericórdia, estão cheios de si próprios e das suas obras. É o contraste que vemos no relato do fariseu e do publicano, dois homens que subiram ao templo para fazerem as suas orações (Lc 18,9-14).

O evangelho de Lucas é todo construído em chave cristológica: no seu relato, o evangelista Lucas quer antes de tudo colocar o seu leitor diante do mistério de Jesus. Com efeito, é na pessoa de Jesus, a que todos acorrem, e não no templo, que Deus está presente no seu desígnio de salvação para todos.

Voltamos ao encontro. A alegria e emoção que sentimos ao encontrar ou reencontrar um amigo, pode comparar-se à explosão de alegria e irreprimível desejo de partilha, com ecos no céu, dos protagonistas das três parábolas da misericórdia do capítulo 15 de Lucas. No caso dos encontros que desejamos ter com Jesus, existe uma pedagogia, que é metódica, e que constitui sempre um caminho realizado em etapas. Os que anseiam por esse encontro, todos nós, percorremos esse caminho em direção à conversão, que é, como sabemos, uma mudança de direção.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.