Modo automático

As pessoas estão a acomodar-se, dependendo cada vez mais da tecnologia ao invés de usar a memória. Não vale a pena decorar datas, nem fazer muito esforço nas contas matemáticas. Afinal, os telemóveis de hoje fazem tudo e mais alguma coisa!

Lembro-me de me rir com um email que circulava na internet, em 2005, onde uma condutora de uma auto-caravana processou o fabricante da mesma depois de ter acionado o “cruise control” para 70mph (cerca de 113km/h), e posteriormente ter ido fazer um café enquanto a viatura se deslocava na autoestrada. Após ter tido um acidente na primeira curva, a condutora colocou uma ação em tribunal no valor de 1,75 milhões de dólares contra a companhia, por esta não ter incluído no manual de instruções que o condutor não se deveria ausentar do posto de condução enquanto o “cruise control” estivesse acionado (Herald Tribune, 2005). Na altura ri-me porque parecia impensável que tal fosse possível, mas pouco tempo depois apareceu a Tesla com os seus carros elétricos e inteligentes, que começaram a ter capacidades de condução autónoma (reduzidas) desde 2014, evoluindo até 2023 com aquilo a que chamam de Full Self Driving (Wikipedia, s/d) que, embora ainda em fase de testes, já se encontra bastante aprimorado.

Atualmente, e passado quase duas décadas, reflito que tudo evoluiu muito rapidamente. Os algoritmos de Inteligência Artificial evoluíram, e já temos conceitos de “deep machine learning”, em que um algoritmo pode aprender com base em experiências anteriores reproduzidas via simulação, e tomar decisões com base nessa aprendizagem – no fundo, é uma réplica do que acontece com as pessoas que, desde muito jovens, vão aprendendo com as suas experiências. As redes sociais parecem saber tudo sobre mim, com um marketing direcionado que aparenta adivinhar os meus pensamentos, e o Google avisa-me sempre que opto por não ir ao ginásio. Se calhar sou uma pessoa demasiado previsível! Mas sei que estes algoritmos conseguem inferir as características mais complexas de cada pessoa ou problema, desde que tenham dados de onde possam extrair a informação – e isso é possível com as quantidades enormes de informação que deixamos na nossa pegada digital, onde os algoritmos concentram toda a nossa informação para análise posterior e mapeamento das nossas vontades e hábitos.

O efeito destas inovações na sociedade é imenso e imprevisível, num mundo cheio de desigualdades e com estágios de desenvolvimento diferentes.

A principal diferença entre as máquinas e as pessoas é que, com uma capacidade de processamento elevada e armazenamento de dados quase ilimitado (possibilitando uma infinidade de experiências de teste de forma a aprimorar o algoritmo), as decisões tomadas pelas máquinas serão inevitavelmente mais fiáveis do que aquelas tomadas pelas pessoas (veja-se o caso da utilização da inteligência artificial em exames médicos no diagnóstico de cancro (Moawad, et al. 2022). Como consequência, as pessoas estão a acomodar-se, dependendo cada vez mais da tecnologia ao invés de usar a memória. Não vale a pena decorar datas, nem fazermos muito esforço nas contas matemáticas. Afinal, os telemóveis de hoje em dia fazem tudo e mais alguma coisa! Desde que saibamos manusear o “user interface” do sistema operativo do smartphone (que atualmente são tão intuitivos que crianças de três anos já sabem usar), temos o mundo nas nossas mãos!

O efeito destas inovações na sociedade é imenso e imprevisível, num mundo cheio de desigualdades e com estágios de desenvolvimento diferentes. É importante ter em conta que estes automatismos servem para nos auxiliar e não para nos substituírem – é comum vermos os adolescentes totalmente viciados na tecnologia, sem saber como resolver problemas sem o auxílio destas ferramentas… penso que após nascerem, rapidamente entram em modo automático, e caberá aos seus pais e professores indicarem que existe um modo alternativo que nunca deveria ser desligado. Cabe agora à humanidade o estabelecimento de regras de forma a orientar as funções que poderão surgir com estes novos automatismos. Tal como qualquer ferramenta, pode ser utilizada de forma correta ou incorreta.

 

Referências
Herald Tribune (2005). The Winnebago Driver Case. Consultado a 3 de fevereiro de 2023.
https://eu.heraldtribune.com/story/news/2005/02/03/winnebago-driver-case-shows-
truth-behind-frivolous-lawsuit-claims/28833579007/)

Moawad, A. W., Fuentes, D. T., ElBanan, M. G., Shalaby, A. S., Guccione, J., Kamel, S.,
Jensen, C. T., Elsayes, K. M. (2022). Artificial Intelligence in Diagnostic Radiology:
Where Do We Stand, Challenges, and Opportunities. Journal of Computer Assisted
Tomography, 46(1), 78-90. DOI: 10.1097/RCT.0000000000001247.

Wikipedia (s/d). Tesla Autopilot. Consultado em 30 Janeiro 2023.
https://en.wikipedia.org/wiki/Tesla_Autopilot#

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