“Esqueçam as fotografias!”, exclamava em italiano um padre mal-humorado naquela quarta-feira na Praça de São Pedro. Na minha dúvida constante sobre qual será a melhor atitude a tomar perante acontecimentos que nos ultrapassam, dei por instantes ouvidos ao alerta do sacerdote austero. Realmente, o tempo que uma pessoa perde a olhar para o ecrã, quando podia estar a viver o momento único que se nos apresenta. Aquele grito de má disposição com a alegria e a agitação alheias fez algum sentido no momento. Mas passados cinco segundos admito que estava com pena de uma pessoa que não se sabe divertir num momento único e maravilhoso para todos.
A Praça de São Pedro estava cheia, mas o método de distribuição das pessoas ali presentes para a audiência geral do Santo Padre funciona na perfeição. As pessoas vão sendo distribuídas consoante o convite que tenham e de acordo com a sua manifesta fragilidade física. Evidentemente que as pessoas doentes têm primazia e estão num local na Praça onde o Papa se dirigirá primeiro, logo após a catequese. No primeiro rectângulo, a rodear o palco, estão as pessoas com quem o Papa irá falar uns instantes, separadas apenas por uma barra de segurança. Atrás, outra barra de segurança separava os convidados que tinham o convite encarnado.
Aí estavam muitas pessoas sentadas nas cadeiras cinzentas de plástico, algumas de pé, a maioria vestida a rigor, de preto, excepto as noivas. Aí estava o grupo de Roma, no qual me incluo. Acompanhávamos os participantes do programa de rádio E Deus criou o Mundo, que se encontravam na fila da frente, prontos para beijar a mão ao herdeiro de Pedro, esperançosos de poderem trocar duas palavras com ele. Na verdade, não era preciso ver nada, pensei, com aquela soberba que só encontramos na resignação. O Carlos, o Isaac, o Khalid, o Pedro e o Henrique estavam lá e isso era o que importava. Caiu uma chuva ligeira, abri o guarda-chuva gentilmente cedido pela Benedita e sentei-me a fotografar as noivas que se fotografavam umas às outras.
O Papa chegou mais cedo, deu a volta à Praça no Papamóvel, parou inúmeras vezes, saiu do carro, pegou em bebés, falou com as pessoas. Subiu a rampa até ao palco escoltado pelos guardas suíços e sentou-se. Foi naquele momento que todos se sentaram e assim puderam ver o Papa, quer estivessem mais perto ou mais longe. Bernini terá dado uma ajuda, quando concebeu a Praça de modo a que os crentes pudessem ver o Papa de qualquer ângulo. Afinal, vê-lo era importante.
Na catequese, Francisco disse aos fiéis que ensinassem os filhos a fazer bem o sinal da cruz. Explicou que muitas vezes via as crianças a não marcarem o sinal da cruz. Como é possível haver quem não goste deste homem? Uma pessoa que dá esta descompostura aos milhares que ali se encontravam por não ensinarem aos filhos a fazer o sinal da cruz está a dizer que não devemos ter receio de mostrar aquilo em que acreditamos, mesmo que ninguém à volta partilhe dessa crença. É possível que o Papa quisesse dizer que não é bom sermos desleixados com aquilo em que acreditamos e que não devemos ser diferentes em público do que somos em privado. Ou estarei a ir longe demais?
A má disposição do sacerdote que incitava os crentes a não prestarem tanta atenção à distracção das fotografias e dos vídeos foi completamente ignorada. O Padre deixou de se ouvir quando Francisco se aproximou daquela primeira fila de pessoas. Nessa altura, reinava a alegria do caos nas filas atrás. Estávamos todos de pé nas cadeiras, já muito perto daquela primeira fila. Via-se tudo lindamente. E o tudo que há para ver é o mesmo do que haveria para ver no caso de continuarmos lá atrás. Depois dos milhares de fotografias e vídeos do momento, é curioso perceber que não há diferenças entre essas fotos e outras antigas. Alguns perguntaram: “Mas isso foi agora?”. Também não haverá diferença entre estas fotografias e outras futuras.
Foi isto que vi naquela quarta-feira na Praça de São Pedro: uma pessoa que é a mesma, afável, aberta aos outros, em qualquer circunstância e que apela aos crentes para mostrarem sem vergonha nem medo o que são. Parece pouco, parece óbvio. Está longe de ser uma coisa ou a outra.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.