1. Quando informou a entidade patronal, para a qual tinha começado a trabalhar há poucos meses, de que estava grávida, só recebeu felicitações. Que não se preocupasse, que a felicidade de gerar uma vida é tudo o que importa. Poucos meses depois, com uma criança de três meses nos braços, recebe a notícia: o contrato não iria ser renovado.
2. Começou o estágio a achar que iria aprender com os melhores. Havia aquela adrenalina da preocupação, que se juntava com a do entusiasmo e da necessidade de estar à altura. À medida que os dias iam passando, já não era só a adrenalina que desaparecia. Ele tinha deixado cair também as certezas de que aquele era o caminho certo a seguir. Nunca era suficiente, nunca estava bem o que fazia, não tinha jeito para aquilo, vaticinaram-lhe.
3. Um dia, chegou ao trabalho e disse: “amanhã tenho que ficar em casa, porque tenho a minha filha doente”. A resposta não tardou: “ela não tem mãe?”. Ele lá explicou que um filho é coisa que se tem a dois, e que a mulher já estava em casa nesse dia com a criança. “Faça como quiser…”, ouviu.
São três casos, podiam ser 300. Eles repetem-se e batem à nossa porta entre amigos, conhecidos, familiares e colegas. As notícias sobre o descontentamento emocional no local de trabalho vão-se multiplicando, enquanto se aplaudem as “empresas felizes”, como se essa não devesse ser a norma. Estudam-se atentamente as melhores práticas de algumas companhias, fazem-se manchetes em meios de referência e perora-se sobre o assunto nas redes sociais. Mas no final, o que muda?
As relações com as hierarquias são sempre complexas, seja em casa, nas famílias, na escola, nos locais de trabalho e até na Igreja. Mas desconfio de que podiam ser muito mais serenas se quem tem cargos de liderança não esquecesse um princípio muito básico: as pessoas que estão sob o seu comando são pessoas. Ali, por debaixo das horas de trabalho, dos resultados que apresenta, da eficiência e da boa ou má-disposição diária, estão seres humanos que até podem trabalhar como máquinas mas que sentem como mulheres e homens que são.
São pessoas para quem o elogio ao seu trabalho, o agradecimento pelo esforço são importantes – muitas vezes, mais importantes do que um aumento salarial. A quem uma falta de respeito dói, a quem palavras mordazes ditas em público podem ditar sérios problemas de saúde.
Os trabalhadores, no geral, são mulheres e homens que todos os dias tentam encontrar um sentido no que fazem, e que precisam de ter nos seus superiores as referências certas: os líderes [sejam eles diretores, presidentes, gerentes, padres ou bispos] querem-se justos, humildes, rigorosos, serenos, corajosos, dinâmicos, sérios.
Os trabalhadores, no geral, são mulheres e homens que todos os dias tentam encontrar um sentido no que fazem, e que precisam de ter nos seus superiores as referências certas: os líderes [sejam eles diretores, presidentes, gerentes, padres ou bispos] querem-se justos, humildes, rigorosos, serenos, corajosos, dinâmicos, sérios. Os superiores hierárquicos querem-se com noção das suas limitações, com capacidade de rir de si mesmos, com a noção plena do que sabem e não sabem fazer. No fundo, os líderes querem-se pessoas, para que nunca se esqueçam das pessoas que lideram. “Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Gal 5, 14)
Está mais do que comprovado cientificamente que crianças que crescem num lar sem amor têm mais tendência para ser disfuncionais. De que jovens que são amados pela sua família, pelas suas referências, se sentem mais seguros no decorrer da sua vida. Não quero, de forma alguma, defender que os líderes de hoje ajam como pais dos seus subalternos. Mas tenho a certeza de que se todos eles se lembrassem de que são diretamente responsáveis pelo que fazem sentir os seus, fariam tudo para se tornar melhores. Porque isso torna a organização que gerem melhor, também.
Jesus Cristo na sua relação com todos aqueles com quem se cruza, mas sobretudo com os apóstolos, mostra-nos isso mesmo. É ele quem tenta mostrar o melhor de cada um, tratando-os como iguais, pedindo ajuda quando precisa, admitindo as suas falhas e garantindo que estará sempre com eles. É ele quem nos mostra que uma liderança humana transforma pessoas normais em discípulos excecionais.
“O fluxo de ideias do espírito humano é absolutamente ilimitado. Tudo o que temos que fazer é aproveitar isso. Eu não gosto de usar a palavra eficiência. É criatividade. É a certeza de que cada pessoa conta!”, disse há uns anos o norte-americano Jack Welch, antigo presidente-executivo da General Electrics. É difícil encontrar um resumo melhor.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.