A frase acima (“Vamos celebrar”, em português) está pendurada por cima da minha mesa de refeição e funciona como um memorando: que nunca esqueçamos de que há sempre motivos para celebrar.
Os finais de ano são sempre tempos de reflexão e de traçar novos objetivos. Tenhamos tido um ano bom ou menos bom, terrível ou incrível, é difícil deixar de olhar para o Natal e a entrada num novo ano como possibilidade de recomeços. Por isso mesmo, achei que era boa ideia deixar um desafio – tal como já tinha feito no ano passado.
O 2020 que agora termina foi dos mais complexos para as atuais gerações: uma pandemia mundial, a incerteza a espraiar-se como uma sombra por cima de uma economia que já está com muitas dificuldades, milhares de desempregados, um nível de isolamento e distanciamento sociais que está a deixar muitas pessoas com dificuldades psicológicas e todas as consequências que advêm de um contexto que tem tanto de distópico quanto de aterrador.
É fácil olharmos para tudo o que de mau o ano nos trouxe: as mortes, as ausências, as empresas falidas, a falta de abraços, as dificuldades financeiras, os restaurantes desaparecidos. Mas para sobreviver ao mau, é preciso não desviarmos o olhar do bom. Mesmo que ele venha em pequenas doses e esteja escondido por uma negritude que teimamos em não iluminar. Porque é ele que nos vai fazer continuar a enfrentar o caminho, na certeza de que chegaremos a porto seguro.
Mas para sobreviver ao mau, é preciso não desviarmos o olhar do bom. Mesmo que ele venha em pequenas doses e esteja escondido por uma negritude que teimamos em não iluminar.
Celebremos, todos os dias, o facto de acordarmos, sinal de que estamos vivos para partilhar mais algum tempo com aqueles de quem gostamos; celebremos os amigos – mais ou menos recentes –, os familiares que se tornaram, sobretudo este ano, porto de abrigo e videochamada constante; agradeçamos por ter pessoas no nosso caminho que o querem fazer connosco, e que na sua individualidade nos tornam melhores, ouvindo-nos, importando-se, querendo fazer-se presentes.
Celebremos a nossa saúde e a daqueles a quem queremos; as aprendizagens diárias dos nossos filhos, também eles tão cansados do nosso cansaço, mas sempre com espaço para mais um sorriso e mais uma brincadeira; celebremos a comida na mesa, o teto por cima das nossas cabeças, a manta para nos proteger do frio.
Celebremos a internet que nos permite fazer-nos perto – e que nos diminui o tédio de que passámos a queixar-nos. Que nos permite ficar em teletrabalho se for o caso e às crianças em ensino online; celebremos viver num País que não deixa morrer à porta do hospital quem não tem seguro de saúde, mesmo que ainda tenha tanto caminho para fazer no apoio a quem mais precisa. Um País que não vive em guerra e de cujas torneiras sai água potável, bem essencial à vida.
Celebremos os livros que nos permitem viajar quando não podemos apanhar aviões; as músicas na rádio que nos animam o cansaço; as pessoas que nos fazem a diferença a cada dia, seja porque nos ajudaram no trabalho, nos limparam a casa ou nos sorriram quando passaram por nós.
Celebremos e agradeçamos as coisas simples, as pequenas graças que nos animam, porque ao fazê-lo evitamos que se nos aumente a escuridão.
O escritor irlandês Oscar Wilde é autor de uma frase que me acompanhou bastante nos últimos meses e que, a par da que tenho junto à mesa de refeição, me ajudou, também, a não me esquecer da gratidão diária.
“Life is not complex. We are complex. Life is simple, and the simple thing is the right thing.”
[Em tradução livre: “A vida não é complexa. Nós somos complexos. A vida é simples, e a coisa mais simples é coisa certa”]
Em tempo de festas, quando tudo parece mais leve, aproveitemos para tornar rotina a celebração e agradecimento pelas coisas simples que tomamos por garantidas, mas que nos fazem tão privilegiados.
Fotografia de Stephanie McCabe – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.