Em maio de 2023 foram conhecidos os resultados do PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), um estudo internacional de avaliação da literacia de leitura, concebido para fornecer informação acerca das tendências do desempenho dos alunos do 4.º ano – Portugal participou nas edições de 2011, 2016 e 2021.
Em 2021, parte dos alunos fizeram o teste PIRLS na versão digital apresentando uma pontuação média de 520 pontos, 20 acima dos 500 pontos que são a mediana da escala e 8 pontos abaixo em relação a 2016. No caso dos alunos que realizaram o teste em papel, o resultado médio foi de 531 pontos, 3 pontos acima do resultado de 2016.
De uma forma geral, é seguro dizer que em 5 anos não houve progressos relevantes na literacia de leitura dos nossos alunos. E, quando analisamos os resultados deste estudo em maior detalhe, há uma série de conclusões que deviam convocar seriamente a nossa atenção:
- Cerca de metade dos alunos lê diariamente menos de 30 minutos. Os alunos que leem entre 1 e 2 horas por dia (apenas 6%) obtiveram, em média, mais 20 pontos, em relação aos alunos que leem menos de 30 minutos;
- Os alunos das escolas privadas alcançaram, em média, mais 39 pontos do que os alunos que frequentam estabelecimentos de ensino públicos (resultados apenas da coorte digital);
- Os alunos cujos pais gostam muito de ler obtiveram uma pontuação média de 543 pontos, mais 42 pontos do que os alunos cujos pais não gostam de ler;
- Os alunos cujos pais promoveram frequentemente atividades de literacia informal em casa alcançaram mais 22 pontos do que aqueles cujos pais desenvolveram este tipo de atividades apenas algumas vezes (536 vs. 514 pontos);
- Os alunos que frequentaram três ou mais anos de educação pré-escolar obtiveram mais 36 pontos do que aqueles que o frequentaram um ano ou menos (527 vs. 491 pontos).
Portanto, não só não houve progressos relevantes como se mantêm desigualdades que decorrem, é certo, de alguns fatores externos à escola, mas que esta não tem conseguido mitigar, como é a sua missão e como resulta do contrato social que temos com o Estado.
Em 2021, Portugal ocupou a 22ª posição numa escala de 43 países. Em 2021, frequentavam o quarto ano cerca de 86.500 alunos (no total do primeiro ciclo estavam matriculadas 336 mil crianças) – são suficientemente poucos para que a capacidade do sistema educativo possa atender às suas necessidades escolares e, em particular de literacia da leitura; são suficientemente poucos para podermos concretizar uma ambição maior do que o 22º lugar.
E não me preocupa ficar bem “na fotografia” de rankings internacionais, mas a matéria de facto. De forma sintética, se as crianças não forem ensinadas, e não aprenderem a ler e a escrever proficientemente, não saberão dar nome às coisas nem saberão compreender-se a si próprias e ao que vivem. O que ouvem na escola não lhes fará sentido, seja português, matemática, ciência ou história. Crescerão “coxas” e não caminharão bem ao longo do seu percurso escolar de 12 anos.
Este impacto vai além da escolaridade obrigatória. A simplificação extrema de uma realidade que é cada vez mais complexa, a falta de memória histórica, a capacidade limitada de distinguir factos de boatos, um desinteresse generalizado por ideias que não se possam comprimir em 180 caracteres, tudo isto conduz a uma sociedade polarizada, mais empenhada em indignações efémeras do que na construção perene.
Este impacto vai além da escolaridade obrigatória. A simplificação extrema de uma realidade que é cada vez mais complexa, a falta de memória histórica, a capacidade limitada de distinguir factos de boatos, um desinteresse generalizado por ideias que não se possam comprimir em 180 caracteres, tudo isto conduz a uma sociedade polarizada, mais empenhada em indignações efémeras do que na construção perene.
Vários estudos recentes apontam para uma redução do Q.I. (tomando as devidas cautelas quanto ao valor que devemos dar a esse indicador), contrariando o chamado “Efeito Flynn”[2]. Investigadores europeus e norte americanos verificam o maior declínio nos jovens com idades entre os 18 e os 22 anos, afetando a sua capacidade de resolver problemas matemáticos e a sua literacia, designadamente, a extensão do seu vocabulário. Avançam algumas possíveis explicações, relacionadas com práticas escolares desajustadas, uma alimentação inadequada e o aumento da utilização da tecnologia em detrimento da leitura de livros.
Ler e escrever são ainda verbos irregulares. Talvez um antídoto simples para esta (reversível) evolução seja mesmo a leitura, o gosto pela leitura, cultivado desde cedo, em casa e na escola. Com intencionalidade e prioridade no que à política pública diz respeito – e há muitos bons exemplos a seguir para alcançar este desígnio. Não só porque contribuirá para a melhor educação das gerações presentes e futuras – assim cumprindo o contrato social do Estado com aqueles que serve – mas também porque garantirá a formação de todos, na defesa da Democracia que nos permite prosperar.
Nota: Adaptado de um texto publicado na Revista “Democrata”.
[1] Título de um artigo publicado, em 2018, no Observador: “Ler e Escrever são verbos irregulares?”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.