Nos últimos tempos, tenho vindo a ser confrontada com dificuldades para obter informações que acabam por ser essenciais para resolver algum problema e, não raras vezes, para usufruir de direitos que supostamente estão salvaguardados para quem vive num país como Portugal. Por circunstâncias de ordem pessoal, mas muitas vezes a partir de relatos de outras pessoas, tenho percebido o quanto a falta de informação é uma barreira brutal no acesso a recursos essenciais, como serviços, respostas sociais, apoios públicos a que as pessoas se podem candidatar, iniciativas diversas que existem, atividades de lazer e bem-estar, entre tantos outros exemplos possíveis.
Sobretudo quando estamos perante uma situação em que precisamos de algum tipo de apoio social, a ‘névoa’ informativa é imensa! A quem nos dirigimos? Onde? Falamos com quem? Pedimos o quê?
Ainda que possamos não saber assim tanto em relação ao funcionamento da saúde em Portugal, sabemos que se tivermos uma situação de urgência podemos ligar para a Saúde 24 e/ou ligar para o 112 e ir para o hospital, tendo alguma garantia que, independentemente da resposta que lá tenhamos, teremos acesso a profissionais capazes de nos ajudar a responder a essa emergência. Ou seja, no que nos diz respeito, fizemos o que era suposto termos feito: procurar assistência médica. Se a situação não for de urgência, sabemos que temos – ou pelo menos deveríamos ter – os centros de saúde e acesso a um/a médico/a de família.
De que recursos podemos valer-nos para ter uma maior qualidade de vida e para dar resposta às dificuldades que uma situação de dependência ou perda de autonomia acarretam? E se houver uma situação de urgência, o que fazer?
Mas e se por alguma razão ficarmos dependentes (fisicamente) ou perdermos a autonomia (a capacidade de tomar decisões), o que devemos fazer, ou o que devem fazer as pessoas que nos são próximas? A quem se deve recorrer? Onde nos dirigimos para ter informações úteis? De que recursos podemos valer-nos para ter uma maior qualidade de vida e para dar resposta às dificuldades que uma situação de dependência ou perda de autonomia acarretam? E se houver uma situação de urgência, o que fazer?
Vamos a exemplos mais específicos: se alguém precisar de um serviço de apoio domiciliário, devido a uma situação de dependência permanente ou temporária, o que tem de fazer? Onde tem de se dirigir? Com quem tem de falar? Em que situações pode fazê-lo? Quanto tem de pagar? Existem apoios para suportar os custos destes serviços? Como se acede a esses apoios?
Finalmente trazido a público, o exemplo dos cuidadores e das cuidadoras informais é paradigmático desta dramática falta de informação, com consequências para todas as pessoas envolvidas nos processos do cuidado a outras pessoas com algum tipo de dependência. Confrontados/as com desafios diários, assoberbados/as com as tarefas ininterruptas do cuidado permanente, os cuidadores e as cuidadoras estão, não raras vezes, perdidos e desapoiados pelas estruturas formais, ficando à mercê da sua própria capacidade para se mobilizar e para ativar uma rede de apoio que nem sempre existe, ou que se vai progressivamente degradando. Estes ficam frequentemente entregues à sorte da sua própria capacidade de procurar ajuda – tantas vezes esmagada pela carga mental e física do cuidado diário – e de ter ou não ter uma rede familiar e/ou de vizinhança capaz de apoiar e de ajudar a aceder a informações que possam ser úteis.
O estabelecimento formal do estatuto do Cuidador Informal, que teve o grande mérito de tornar a questão visível, é, em si mesmo um imbróglio processual, com critérios de exclusão que me parecem pouco sensíveis à complexidade das situações de dependência a que deveria ajudar a dar resposta. Para já, e com experiência real de pedido do Estatuto, este procedimento parece-me mais uma carga burocrática para os cuidadores e as cuidadoras que, em termos práticos, lhes garante ainda muito pouco, mesmo nos casos em que é aprovado.
Segundo o relatório apresentado pela Segurança Social em junho de 2021[1] em relação ao primeiro ano do Estatuto, durante o qual foram desenvolvidos projetos-piloto em alguns concelhos do país, foram submetidos 2.198 pedidos, dos quais foram aprovados 977 (44,4%), indeferidos 475 (21,6%) e estavam ainda por responder 746 (33,8%). Não consigo identificar na página da Segurança Social quantas pessoas viram o seu Estatuto reconhecido após esta data, porque entre os dados divulgados pela Segurança Social em relação ao assunto só consegui encontrar os relativos ao período dos ‘projetos-piloto’[2].
Apesar de todas as dificuldades, continuo a ser uma acérrima defensora deste Estatuto e da sua pertinência, consciente, porém, de que existe ainda um longo caminho a percorrer para que efetivamente seja uma mais-valia para os cuidadores e as cuidadoras e, por conseguinte, para as pessoas de quem cuidam. E uma parte desse caminho passa, indubitavelmente, pela informação! Informação sobre o processo, sobre o que fazer, como fazer, a quem se pode recorrer, que expectativas ter em relação ao processo, entre outras.
Ter direitos salvaguardados na lei é fundamental, mas só conseguimos a eles aceder se soubermos como fazer, onde recorrer e mais ou menos o que esperar desses processos.
Ter direitos salvaguardados na lei é fundamental, mas só conseguimos a eles aceder se soubermos como fazer, onde recorrer e mais ou menos o que esperar desses processos.
Um outro exemplo interessante é o do Testamento Vital[3], salvaguardado na lei desde 2012. Será que as pessoas sabem que existe? Saberão exatamente o que é e para que serve? E mesmo quem sabe, consegue autonomamente responder às perguntas que estão no formulário, plenamente consciente do que está a responder? Quem nos pode ajudar – às pessoas que não são profissionais de saúde – a tratar deste processo?
Por motivos de ordem profissional e também pessoal, sei de possibilidades de resposta a boa parte destas questões, mas não sei todas e a resposta a algumas destas perguntas descobri mais tarde do que aquilo que teria sido adequado e oportuno para dar resposta a situações com as quais me confrontei… e não raras vezes, por sorte ou acaso de conhecer pessoas que me ajudaram a encontrar essas respostas.
Ninguém gosta de pensar na doença e na dependência, mas fazem parte da vida e há uma grande probabilidade de nos confrontarmos com elas, mais cedo ou mais tarde, de forma mais permanente ou temporária, e por isso temos de saber que direitos temos e a que recursos e respostas podemos aceder.
As instituições da comunidade deveriam ser – e são frequentemente – importantes polos informativos, mas seria importante uma maior aposta na divulgação de informações úteis às populações, com a possibilidade de existir em cada freguesia, ou pelo menos em cada Município, profissionais de referência e qualificados para este trabalho, capacitadas/os para orientar e apoiar as pessoas no acesso a bens e serviços a que têm direito e que existem. Sem condescendência! Sem paternalismo! Sem preconceitos! Com informações claras e processos compreensíveis, sem que as respostas dependam da pessoa que encontramos à nossa frente e da sua boa-vontade, porque os direitos não são e não podem ser em nenhuma circunstância, facultativos e muito menos uma questão de privilégio ou de sorte! E muito menos quando estamos mais vulneráveis.
Por isso, democratizar o acesso à informação, a este nível, mas também a outros, onde a névoa informativa persiste, é fundamental para caminharmos no sentido de uma sociedade mais justa, mais coesa e mais solidária.
[1] Relatório Final de Avaliação e Conclusões (seg-social.pt)
[2] https://www.seg-social.pt/publicacoes?bundleId=19016541
[3] https://www.spms.min-saude.pt/2020/02/testamento-vital-um-direito-dos-portugueses/
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.