Em 1973, ano em que nasci, o número de alunos inscritos no 1º. Ciclo, em Portugal, era de cerca de 920 mil[1]. Em 2023, os alunos que estarão a frequentar esse mesmo ciclo serão perto de 325 mil[2].
Em cinquenta anos as nossas escolas têm menos 600 mil crianças. Não sei se isto vos impressiona tanto quanto a mim, mas sempre que me confronto com este facto, preciso de uma pausa para que todas as inquietações assentem, a objetividade ganhe espaço e emerjam as consequências acionáveis.
Menos 600 mil crianças remete para uma matriz de análise lata. Mas não cabe neste âmbito tratar a complexa e multifatorial questão da natalidade – embora seja uma emergência com anos de lista de espera –, nem o impacto dramático sobre os sistemas de pensões e apoios sociais, caso estes se mantenham nos termos atuais, nem as implicações da dimensão diminuta de novos entrantes na população ativa no espaço de vinte anos.
Vou por isso reformular o mote: menos 600 mil alunos em cinquenta anos. Posso assim centrar-me apenas na Educação, partindo desta inegável evidência de que há cada vez menos alunos para ensinar.
Ora se há cada vez menos alunos para ensinar, qual a ambição que queremos ter quanto ao sucesso da sua aprendizagem? Porque quando um sistema educativo lida com um milhão de alunos entre os 6 e os 10 anos, tem uma problemática diferente do que quando tem a seu cargo um terço desses alunos. Mais, tem condições vantajosas quando esse terço, por regra, frequentou o ensino pré-escolar e tem pais com maior escolaridade.
Porque quando um sistema educativo lida com um milhão de alunos entre os 6 e os 10 anos, tem uma problemática diferente do que quando tem a seu cargo um terço desses alunos. Mais, tem condições vantajosas quando esse terço, por regra, frequentou o ensino pré-escolar e tem pais com maior escolaridade.
Insisto, portanto: qual a ambição que queremos definir para o sucesso escolar destes alunos?
Em 2001, nos E.U.A, aprovou-se uma Lei conhecida como “No child left behind” e esse mote popularizou-se nas sociedades ocidentais. Independentemente da substância dessa Lei, a verdade é que o slogan pode muito bem ser parte da resposta à pergunta que coloco. E digo parte, porque acho que a ambição deve ser maior: com 300 mil alunos, não basta não deixar nenhum para trás, é nosso dever levar cada um ao seu máximo potencial.
Temos hoje um parque escolar para os receber que terá até uma capacidade maior do que a necessária. Com um planeamento pragmático, as escolas de que efetivamente precisamos poderão ser dotadas – as que ainda não foram – de todo o tipo de infraestruturas para funcionar bem.
Temos hoje diretores, professores, tutores, mediadores e psicólogos que, se bem organizados, com incentivos certos, responsabilização e apoio formativo – matéria profusa para um outro artigo –, poderiam acompanhar quase individualmente estes alunos.
Temos uns escassos 80 mil alunos a entrar na escola no próximo ano letivo, uns escassos 325 mil alunos no total do 1º. Ciclo. Cada vez menos alunos para ensinar. Podemos dar-nos ao luxo de não definir uma ambição elevada para estas crianças?
Temos hoje meios, ferramentas e conteúdos educativos digitais que, nas escolas e com as equipas referidas, permitem uma forte aproximação a percursos e ritmos individuais de aprendizagem.
O que falta então? Muito pouco e quase tudo.
Uma consciência coletiva que imponha esta ambição como uma exigência social.
Uma comunidade educativa que reaja à escassez de alunos com esta ambição ao invés de uma normalização da perda.
Uma intencionalidade política que coloque esta ambição como prioridade, atribuindo os meios e proceda à corajosa organização que lhe pode dar resposta.
Num artigo recente, aqui no Ponto SJ, falava-vos dos finlandeses que há muito perceberam que o recurso mais relevante do país são os seus habitantes, uns escassos 5 milhões, e que por isso não se podem dar ao luxo de deixar ninguém para trás.
Temos uns escassos 80 mil alunos a entrar na escola no próximo ano letivo, uns escassos 325 mil alunos no total do 1º. Ciclo. Cada vez menos alunos para ensinar. Podemos dar-nos ao luxo de não definir uma ambição elevada para estas crianças?
[1] Fonte: Pordata
[2] Fonte: DGEEC
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.