Recordo muitas vezes as palavras do Papa Bento XVI, quando visitou Portugal, em 2010, no Encontro com o Mundo da Cultura: “Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza.” Confesso que é um desafio que me abraça, que me faz orar, e “lutar” pela justiça.
Ao atravessar o rio Tejo da margem sul (Almada) para a margem norte (Lisboa), tem-me assaltado uma reflexão: a beleza faz falta, quase como o ar que respiramos. Ao mesmo tempo, pergunto-me onde está a beleza na correria, no aperto dos transportes públicos, nos rostos fechados e tristes que observo.
Tem de haver beleza! Há beleza!
Nesta travessia, vejo que é bela a paisagem sobre o Tejo e sobre a cidade de Lisboa. Mas não chega! E as pessoas? E estas vidas? Para mim anónimas e caladas. E eu nesta mesma travessia? Tenho-me sentido desafiado a encontrar a beleza onde ela parece não existir.
O que significa o belo?
E quando o espelho ou a idade não são reflexo da beleza?
E quando o mundo que habito, o meu bairro, o trânsito, a pobreza, parecem afastar-me do belo e gerar em mim sentimentos do feio?
E quando a violência está ao nosso lado?
É, ainda assim, possível encontrar a beleza?
Como viver sem a beleza? É quase como viver sem o amor.
Fazei das vossas vidas lugares de beleza. Não são só as obras (de arte) que são belas. A vida é, e tem de ser, um lugar de beleza.
Sinto que este é um mote para ir para além do óbvio.
Os descartados, os pobres, os lugares degradados, não poderão ser lugares habitados pelo belo?
Se a beleza é parte do caminho de salvação, como encontrar a beleza onde ela aparentemente parece não existir?
Ao mesmo tempo que penso em tudo isto, tenho vindo a experimentar que há muita beleza nesses lugares e pessoas. A beleza do idoso está para lá da sua aparência física, assim como a do pobre ou do deficiente, ou da pessoa cansada e triste, ao final de um dia de trabalho.
Entrar num destes bairros, de construção ilegal, que nasceram nos últimos tempos, onde não há água canalizada, luz e saneamento, pode ser uma enorme experiência de beleza. A beleza dos bairros degradados e violentos está para lá do óbvio e daquilo que grita em primeiro lugar.
A beleza dos bairros degradados e violentos está para lá do óbvio e daquilo que grita em primeiro lugar.
Atravessar o rio na Fertagus, com comboios cheíssimos povoados de rostos abatidos, é uma oportunidade de fazer uma experiência de beleza. Ou, pode ser.
O que há de mais profundamente belo é olhar o outro e elevá-lo. Elevá-lo à sua dignidade.
Faz eco, em mim, a voz de uma jovem que, quando visitei a sua casa, para comer uma cachupa, à luz da vela, me dizia: padre, esta não uma barraca, é a minha casa! É casa, é lar, é onde repousa ao final do dia. É onde reza e recebe amigos, é onde vive com a sua família.
Precisamos de encontrar beleza para lá do óbvio: da paisagem, da arte, da música, ou das feições. Precisamos de encontrar a beleza no outro e nos lugares que habitamos.
Penso que é necessário deixar ressoar uma das palavras que mais perfuma a vida e a enche de beleza – compaixão. Esta é uma beleza suprema, que não cria repúdio ou comparações. Só esta beleza nos salva. É esta a beleza que salva o filho pródigo: o pai vendo-o ao longe encheu-se de compaixão (Lc 15, 20). É esta a beleza que acompanha a dor de Marta e Maria (Jo 11, 33). É esta a beleza que se compadece com os que andavam perdidos (Mt 9, 36). É esta que salva o homem vítima de violência e que está na berma do caminho (10, 33). É esta que deixa que a mulher rejeitada perfume os pés de Jesus (Lc 7, 47).
Façamos das nossas vidas lugares de Beleza enchendo-as de Compaixão!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.