Não sei como isto aconteceu, mas mal soube que o Ricardo Araújo Pereira ia ter o seu programa (parece que lhe chamam “rubrica” do Jornal das 8) e que da equipa faria parte o Zé Diogo Quintela, decidi que iria escrever sobre o tema. Sem pensar duas vezes no assunto, fiquei à espera da inspiração para escrever; um erro como tantos outros. Como é que depois de tantos anos de amizade vou conseguir escrever sobre os meus amigos sem cair no ridículo? Podia disfarçar um bocado, como fez o Alberto Gonçalves (mais um amigo), a fazer de conta no Observador que era objectivo, a falar sobre a relação entre política e humor e tal. Podia fingir que não os conhecia de lado nenhum, só da televisão. Mas não me parecia correcto estar agora a negar o relacionamento.
Podia omitir, mas para quê? Para ser “objectiva”, “independente”, sim, porque penso “pela minha própria cabeça”, não sou “influenciável”, não digo o que esperam de mim, não me “deixo levar” lá por serem meus amigos. A caricatura está feita. Como se quem escreve sobre os amigos estivesse numa posição de privilégio. Mas não está. Diria que escrever sobre os amigos, sobre o seu trabalho, o seu génio, é uma actividade que nos torna humildes, porque reconhecemos naquele que é igual alguém que é melhor. Não existe, em português, o verbo “humildificar”, mas esta ideia de hierarquia moral está presente no mais nobre sentido do neologismo.
Não é evidente para toda a gente que o Ricardo não podia ter feito este programa mais cedo na vida porque é precisamente por causa do tempo que ficou mais seguro e melhor actor?
Como posso explicar que antes de ver já gostava do programa e com toda a razão? Guilherme Fonseca, um dos guionistas de “Gente que não sabe estar”, contou num vídeo promocional no Twitter que as pessoas deviam ver o programa porque a mãe antes de o ver já gostava. Pareceu-me adequado. A expectativa não podia ser outra, tendo em conta que a capacidade, a inteligência, o talento, daqueles que, no caso, calharam ser filho e amigos. Aconteceu sermos família e amigos. A escolha não conta para aqui, o que nos deve fazer repensar a ideia de que “escolhemos os nossos amigos”. A amizade será uma escolha ou um acontecimento, como nos acontece apaixonarmo-nos por alguém? Inclino-me para a segunda hipótese, porque se pudesse escolher não seria amiga de nenhum deles. Assim, poderia escrever um artigo sobre “Gente que não sabe estar” sem passar pela situação do costume de acharem que a minha opinião é menos sólida e rigorosa do que a daqueles que não os conhecem. Mas será a minha subjectividade menos verdadeira do que a objectividade dos não amigos?
Não é evidente para toda a gente que o Ricardo não podia ter feito este programa mais cedo na vida porque é precisamente por causa do tempo que ficou mais seguro e melhor actor? Além do mais, não me lembro de termos tido três eleições num ano (a Madeira também é gente). Não é rigoroso verificar que não houve protagonistas políticos nem partidos poupados pelos humoristas, e que essa é uma qualidade indispensável para qualquer pessoa que “não saiba estar na política” e que queira ter graça e ser livre, não necessariamente por esta ordem?
Não é da mais elementar objectividade referir que tem muita piada a frase “o braço direito é o meu braço direito” dita por um braço gigante de espuma que está a ser entrevistado a propósito de um episódio já de si hilariante de votações de braço no ar para decidir se outra votação seria secreta ou de braço no ar, ainda para mais quando se conclui que tinha sido mais giro se não tivesse sido feito “em cima do joelho”? Será subjectivo assinalar que os comunicados da TVI são mais uma prova de que ninguém, repito, será poupado neste programa em período de frenesi eleitoral, porque o humor serve precisamente para nos rirmos das desgraças? Não é 100% certo que o primeiro episódio de “Gente que não sabe estar” chegou ao fim e queríamos ver mais, ou então que fosse diário, já que é curto. Ou haverá alguém que pense que isto é de amiga? Que sorte!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.