Estamos prontos para a aventura da participação?

Como leiga considero que os espaços de verdadeira participação dentro da Igreja são ainda escassos, pouco horizontais, excessivamente formais, deficitários na qualidade e muitas vezes afastados dos verdadeiros processos de decisão.

Para alguém que, como eu, vem das organizações da sociedade civil, encontrar no lema do processo sinodal, agora lançado pelo Papa Francisco, a palavra “participação” foi motivo de alegria e reflexão. De facto, a frase enquadradora do percurso, que agora se inicia, refere: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Se a “comunhão” e a “missão” seriam dimensões e caminhos já expectáveis dentro da Igreja, é precisamente nesta palavra “participação”, que surge bem no centro da tríade proposta, que reside o caráter inovador e tão profundamente necessário deste sínodo. Diria mesmo que reside na participação um elemento vital para a presença atual e futura da Igreja no mundo.

Desde há varias décadas que as organizações da sociedade civil, em particular as que trabalham nas áreas sociais e do desenvolvimento, compreenderam a centralidade da participação na transformação social. Desta forma, integraram nos seus mecanismos de reflexão, de diagnóstico e nas suas metodologias de intervenção e decisão processos participativos envolvendo pessoas, comunidades e organizações. Envolvendo, não apenas os decisores, mas (e sobretudo) todos os que são afetados pelos desafios que a nossa sociedade enfrenta. Ou seja mulheres, homens, jovens, idosos, crianças, todos devem/querem ser atores e protagonistas na Casa Comum. A experiencia na área social tem demonstrado que a participação é fundamental para a apropriação (utilizando um jargão do setor!) ou, se preferirmos noutra linguagem, a participação é determinante para o compromisso e para a responsabilização de cada uma e de cada um. Por outro lado, envolver quem está mais perto da realidade ou quem vive realidades diferentes potencia a inovação, novas aprendizagens e uma maior adequação das soluções aos contextos locais. Ser verdadeiramente ouvido, explorar caminhos diversos e participar de forma efetiva na tomada de decisão são fatores chave para nos sentirmos parte integrante de um projeto, de uma comunidade, de uma organização ou, indo mais longe, participar é caminho para se formar “um corpo”, para a comunhão.

Existem naturalmente experiências muito ricas e válidas de processos participativos no seio da Igreja (em diversas latitudes com destaque para a América Latina) quer ao nível micro (comunidades, paróquias); quer ao nível mais macro (o mais recente exemplo foi o Sínodo da Amazónia). No entanto, na minha experiência como leiga considero que os espaços de verdadeira participação dentro da Igreja são ainda escassos, pouco horizontais, excessivamente formais, deficitários na qualidade (metodologias participativas e conteúdo abordados) e sobretudo muitas vezes afastados dos verdadeiros processos de decisão da Igreja. O conceito de participação na Igreja continua muito veiculado à “participação na ação, no fazer” do quotidiano da vida cristã (na liturgia, na catequese, nos movimentos, ação social) ou ainda, por exemplo, na participação nos sacramentos e menos à participação na reflexão e na decisão. Ou seja, existe ainda um grande caminho para fazer numa participação que continua muito aquém da subsidiariedade que a doutrina social da Igreja nos apresenta com um princípio.

Incluir na participação as vozes daqueles que discordam, daqueles que são incómodos, daqueles que não compreendemos exige coragem mas é  essencial.

Mas naturalmente nem tudo são rosas na participação. Raramente é simples ou fácil seguir a via dos processos participativos! Bem pelo contrário… Desde logo, é um processo moroso que exige tempo, energia, recursos. Para os impacientes e ativistas como eu, esta é com frequência uma seríssima dificuldade… Queremos chegar rapidamente às conclusões e à ação. Muitas vezes me ouvi dizer em contexto profissional “ Participativo sim, mas participativo QB”. Enquanto sociedade, a velocidade a que vivemos é um dos principais obstáculos à participação. Para este sínodo estão previstos dois anos de caminho e não será muito tempo para um processo abrangente, complexo e ambicioso. Outra dificuldade é a efetiva capacidade de escuta do outro. Sabemos que nos é difícil escutar, sobretudo o que é diferente ou o que colide com a nossa opinião. Escutar propostas que nos parecem descabidas quando a solução parece ser outra mais segura, menos arriscada. Até porque para ouvir é necessário um passo prévio que é o do encontro… Nesse sentido o Papa Francisco convida-nos a “ser peritos na arte do encontro”.

Outro desafio nos processos participativos é sabermos de onde partirmos, mas não conseguirmos antecipar a chegada. Temos um companheiro de percurso que é simultaneamente caminho e horizonte  – Jesus Cristo, mas tal não impede ( pelo contrário) que o Espírito possa soprar de muitas e diversas formas. De formas surpreendentes, inesperadas, através da voz daqueles com quem fazemos caminho. Incluir na participação as vozes daqueles que discordam, daqueles que são incómodos, daqueles que não compreendemos exige coragem mas é essencial. Assim é natural que a participação provoque questões, destabilize, gere inseguranças, suscite tensões, mas nessa aparente confusão, e alicerçados na oração, a participação conduzirá ao discernimento. De facto, o Papa na homilia do passado domingo, 10 de outubro, na abertura do Sínodo, guia-nos através de três verbos: encontra, escutar e discernir.

Chegou o momento de cada uma e de cada um de nós participar nesta aventura que o Papa Francisco nos propõe. Temos um espaço e um caminho propício que somos convidados a percorrer enquanto cristãos e mulheres e homens de boa vontade.

O Papa Francisco lança-nos a questão: “Estamos prontos para a aventura do caminho ou, temerosos face ao desconhecido, preferimos refugiar-nos nas desculpas “não adianta” ou “sempre se fez assim”?

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.