Os resultados das Eleições Gerais de 10 de novembro em Espanha refletem a polarização e a fragmentação da sociedade espanhola. Embora os dois partidos tradicionais tenham resistido à emergência de novos grupos políticos, a governação em Espanha tornou-se complicada. Embora o Partido Socialista tenha perdido três lugares no Congresso ao eleger 120 deputados, o Partido Popular recuperou força – 22 deputados a mais do que nas fracassadas eleições de 28 de abril – totalizando agora 88 deputados no Congresso dos Deputados. A grande novidade do último ato eleitoral é a irrupção do VOX, que tem mais 28 deputados, chegando a um total de 52, e o colapso do Ciudadanos, um partido no qual se chegaram a depositar muitas esperanças, que passou de 57 para 10 deputados, o que o torna praticamente irrelevante para formar um governo. O Unidas Podemos – que se apresenta como o principal parceiro governamental do Partido Socialista no caso de Pedro Sánchez ter apoio suficiente para ser empossado como Presidente – passou de 42 para 35 deputados. De resto, 55 lugares no hemiciclo são distribuídos entre partidos regionalistas ou nacionalistas.
A questão territorial tem marcado a agenda política espanhola. A situação na Catalunha é, após os anos de terrorismo da ETA, a mais grave dos últimos quarenta anos, tendo provocado a intervenção do Rei com um discurso a toda a nação, a única aparição extraordinária do Chefe de Estado desde o fracassado golpe de Estado de 1981. A tentativa de realizar um referendo sobre a independência, expressamente proibido pelo Tribunal Constitucional, e a subsequente declaração de independência terminaram com uma sentença condenatória contra os líderes políticos que tomaram a iniciativa, alguns dos quais fugiram para outros países europeus. A sentença está a ser fortemente contestada pelas fileiras da independência, gerando o caos na Catalunha e tornando mais evidente a divisão da sociedade catalã. A obtenção de 23 lugares no Congresso dos Deputados pelos partidos nacionalistas catalães faz desta uma questão chave para a governabilidade em Espanha.
Embora o “Estado das Autonomias” tenha favorecido o despertar das regiões menos desenvolvidas, não conseguiu eliminar as desigualdades entre os espanhóis.
Mas a questão territorial vai muito para além da questão catalã. A Espanha é um Estado descentralizado. De acordo com a Constituição de 1978, “as províncias limítrofes com características históricas, culturais e económicas comuns, os territórios insulares e as províncias com entidade regional histórica podem aderir à autonomia e tornar-se Comunidades Autónomas” (art. 143.º CE). Foram constituídas 17 Comunidades Autónomas e duas Cidades Autónomas (Ceuta e Melilla) para as quais foram progressivamente transferidas competências, entre as quais a saúde e a educação. Embora o “Estado das Autonomias” tenha favorecido o despertar das regiões menos desenvolvidas, não conseguiu eliminar as desigualdades entre os espanhóis. A existência de 17 quadros normativos diferentes – cada comunidade autónoma tem capacidade legislativa nos poderes delegados – tem-se demonstrado um obstáculo para a economia do país. O despovoamento de certas zonas do país, a que se junta agora a partida de muitos jovens de cidades de média dimensão em busca de trabalho nas duas grandes capitais, Madrid e Barcelona, são questões que começam a ser preocupantes. Embora tenham surgido grupos políticos que defendem a destruição deste sistema, surge como uma necessidade urgente a correção das suas disfunções e a recuperação do espírito com que foi concebido.
A imigração, um fenómeno de escala mundial, tem sido utilizada por alguns partidos para canalizar a frustração da população face a muitos problemas sem solução aparente. É uma questão perigosa, que pode criar um clima de xenofobia, e que não responde a dados reais, dividindo ainda mais a população. Entre os embustes sobre os imigrantes, a afirmação de que estão a retirar empregos aos nacionais ou de que os serviços de saúde estão a entrar em colapso – uma mensagem que circula e se enraíza apesar dos numerosos estudos que a desmentem – chama particularmente a atenção. A baixa taxa de natalidade e o envelhecimento da população espanhola – com o que isso significa para os cofres da segurança social – são outras das questões que o próximo governo terá de enfrentar de frente.
A situação não é nada animadora. Desde há alguns anos que se vem questionando a vigência de um pacto constitucional que talvez, ao fim de quarenta anos, precise mesmo de ser revisto. Em alguns pontos, este pode já não representar a autêntica constituição de Espanha, tal como era concebida em 1978. Abre-se então uma encruzilhada. Abrir um novo processo constituinte pode resultar na abertura de uma caixa de pandora da qual não sabemos o que poderá sair. No entanto, manter os braços cruzados em defesa de um status quo que começa a não ser significativo para muitos é talvez a melhor forma de agravar os conflitos e chegar a situações nada desejáveis. Estará a Espanha preparada para voltar a sentar-se para dialogar?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.