Entremos no Teatro de Deus!

Já sabemos quem é o protagonista – Cristo – por isso, não nos preocupemos com os primeiros lugares. Quer sejamos personagens secundárias ou nos sintamos apenas figurinos, rejubilemos por sermos participantes da bela História de Salvação.

O silêncio, a expectativa. Os telemóveis desligados. Não é permitida a captação de som ou imagens. É que nenhum telemóvel consegue guardar com verdade o que ali acontece.

O teatro – uma arte sublime. Nele se expressa, através da exterioridade, aquilo que habita o nosso interior. Durante um bom teatro, as emoções, preocupações e anseios que trazíamos em nós ficam em suspenso, absorvidos por um mundo novo que nos envolve e fascina. Saímos do quotidiano e damos conta daquilo que em nós é mais profundo, o que na correria dos nossos dias somos incapazes de discernir. Pelo exagero que o teatro exige, na expressividade corporal, na voz alteada, nos sussurros, gritos, saltos e quedas encontramos um espelho do nosso interior que busca, em rebuliço e às vezes a qualquer custo, a harmonia e a paz.

Antes de começar: o que está por detrás da cortina? O ator que, concentrado, já encarna a vida, a voz, o gesto e a personalidade de outro. É um autêntico exercício de saída de si. A capacidade de “calçar os sapatos do outro”, como dizem os ingleses, é a descoberta do que temos em comum com ele. Consiste na tentativa – sempre curta e pobre – de levantar a ponta do véu do mistério da vida.

Sem efeitos especiais, só a pessoa humana. Tem tanto de cristão, o teatro. É que o crucial não é de todo aquilo que lá acontece: uma hora de divertimento e descanso. O fundamental é aquilo que fica no coração e na memória de quem o viveu: a semente de uma realidade capaz de transformar a vida.

Tem tanto de cristão, o teatro. É que o crucial não é de todo aquilo que lá acontece: uma hora de divertimento e descanso. O fundamental é aquilo que fica no coração e na memória de quem o viveu: a semente de uma realidade capaz de transformar a vida.

Neste sentido, as mais belas histórias são também as mais difíceis de representar. Porque o superficial é muito facilmente encarnado por qualquer um. A verdadeira arte representativa reporta para o espiritual, para uma interioridade que a audiência não sabia ter. Para uma generosidade que se achava impossível. Enfim, para uma presença que nos habita: o próprio Deus.

É por isso que o teatro pode ser um excelente meio de evangelização, talvez ainda pouco explorado por nós, enquanto Igreja. Assim o acreditava Karol Wojtyla, o poeta e ator que se tornou Papa, o Papa São João Paulo II. O padre Wojtyla usava o teatro como plataforma de diálogo e resistência. Em tempos de guerra e sofrimento, a representação era janela de luz que alimentava a imaginação e a esperança de um mundo de Paz. O palco era o lugar onde se podia dizer: a vida é mais do que isto!

E tem tanto de Evangelho, o teatro. É semelhante ao momento em que abrimos a Escritura e ouvimos da boca de Jesus as seguintes palavras: tenho uma coisa para te dizer. O momento da parábola. O silêncio. A expectativa. Os telemóveis desligados. Não é permitida a captação de som ou imagens. Só a memória da vida, feita experiência, feita pão que se deixa amassar para se tornar alimento para todos, conhece o significado da parábola. Na nossa vida provocada e transformada pela Palavra de Deus vive a verdade das parábolas: o amor do samaritano, a esperança da mulher, a pressa do pastor.

Permitamo-nos, por fim, um momento de imaginação: e se a Trindade Santíssima fosse um teatro, como seria? O Pai, sem dúvida, o narrador. Nesta peça, à sua Palavra, o tempo decorre, põe-se o Sol e nascem as estrelas. É Ele quem dá sentido à História, sabe aquilo que as personagens não dizem, os seus sentimentos e intenções. Conhece cada um melhor que ninguém.

Permitamo-nos, por fim, um momento de imaginação: e se a Trindade Santíssima fosse um teatro, como seria? O Pai, sem dúvida, o narrador.

O Filho amado, Jesus Cristo, a personagem principal: “por Ele e para Ele todas as coisas foram criadas” (Col 1,16). Não sendo necessariamente a figura mais evidente ao longo de toda a história, está sempre presente e, para o olhar atento, nunca sai de cena. É a personagem com quem todos se relacionam, sabendo ou não a sua verdadeira identidade.

Se assim fosse, o Espírito Santo só poderia ser o ponto. É que às vezes perdemo-nos no enredo e já não sabemos o que dizer nem o que fazer, o sentido da nossa vida parece ofuscado e não vemos o caminho. Nessas horas, cabe-nos fazer silêncio e esperar a voz do fiel Amigo a indicar-nos discretamente o nosso lugar na história, o sentido da nossa vida.

Entremos no Teatro de Deus! Desta vez, assumindo o nosso próprio papel: aqui não há guiões nem ensaios, mas a descoberta da vida a cada passo. Já sabemos quem é o protagonista – Jesus Cristo – por isso, não nos preocupemos com os primeiros lugares. Quer sejamos personagens secundárias ou nos sintamos apenas figurinos, rejubilemos por sermos participantes da bela História de Salvação, o teatro divino. E quando tivermos a tentação do protagonismo, repitamos com S. João Baptista: “É Ele quem deve crescer e eu diminuir”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.