Ensinar a gostar de ler para transformar o mundo

Saber que o gosto pela leitura também se educa e tem alguma ciência por trás dá-nos algum consolo. É isso que tento fazer em casa, com os meus filhos.

Vivemos um contexto internacional tenso. É difícil fugir às notícias alarmantes que todos os dias furam o nosso quotidiano. Importa saber como lidamos com tudo isto e o que podemos fazer para que as crianças possam também agir no mundo. Que caminho seguir?

As opções de educação devem ser exatamente isso: opções. É inevitável que acabemos por deixar, de vez em quando, uma parte da educação à vontade (ou falta dela) e à disposição do momento. No entanto, há âncoras que não podemos soltar, os nossos critérios de ação. Por inerência profissional, não largo os resultados da investigação e, por fé, não largo alguns ensinamentos.

Posto isto, importa lembrar as palavras do Papa Francisco na sua Carta sobre o papel da literatura na educação, onde afirma que, através da literatura, chegamos “ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser humano”. A literatura toca-nos de forma imediata – porque disfrutamos pessoalmente, mas, mais do que isso, “expande o nosso universo pessoal” e abre-nos ao mundo. Assim, ao ouvirmos o outro, tornamo-nos mais preparados para participar nesta grande engrenagem que é a vida.

A literatura toca-nos de forma imediata – porque disfrutamos pessoalmente, mas, mais do que isso, “expande o nosso universo pessoal” e abre-nos ao mundo. Assim, ao ouvirmos o outro, tornamo-nos mais preparados para participar nesta grande engrenagem que é a vida.

E saber que o gosto pela leitura também se educa e tem alguma ciência por trás dá-nos algum consolo. É isso que passei, em muitas formações, e tento fazer em casa, com os meus filhos.

Para começar, todas as noites se lia uma história antes de dormir, como nos propõem os cientistas! Primeiro eram histórias pequeninas, dos livros que também estavam a explorar no jardim de infância ou de presentes que apareciam por casa. Depois, passou-se para capítulos de livros (o preferido era Uma Aventura e rapidamente se passou para o Percy Jackson e outras peripécias).

Também aprendemos que não devíamos ler os jornais no tablet ou no telemóvel, objetos que as crianças associam a jogo. Esta parte é difícil, porque a verdade é que compramos jornais em papel poucas vezes. Por isso, a solução foi usar com muita moderação os telemóveis e afins à frente das crianças. Foi um treino também para os adultos.

Alimentámos o hábito de ir a livrarias, a eventos como lançamentos de livros e a bibliotecas municipais! São espaços aprazíveis, onde os écrans também têm lugar (não se diabolizam computadores!), onde podemos andar de um lado para o outro, onde também criamos relação e crescemos em responsabilidade. Corri várias com os meus filhos! As bibliotecas passam a ser espaços desejados. Por isso mesmo, não se deve impor como consequência de um mau comportamento ir para o quarto ler, como quando se mandava uma criança para a biblioteca da escola “de castigo”.

Com as idas às bibliotecas, livrarias e pesquisas no OLX, as edições gastas e amareladas das nossas prateleiras deram lugar a edições novas dos grandes clássicos da ficção científica, bastante mais apelativas: O Triunfo dos Porcos, 1984, Admirável Mundo Novo…. Posso dizer-vos que só agora li o Fahrenheit 451, o meu filho mais velho passou-mo!

Para já, os meus filhos entram na estatística dos resultados positivos em matéria de leitura: são criativos (também nas asneiras!), usam argumentos dignos de uma recensão crítica e até se conseguem entreter se não tiverem internet. Continuo à espera de que a leitura os inspire a seguir instruções – especialmente as que envolvem arrumar o quarto.

Daqui a uns anos dou-vos nota se são cidadãos a transformar o mundo!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.