Aprendemos a amar desde o momento em que nascemos: amamos aquele corpo, aquela voz que conhecemos depois de nove meses de formação; amamos aqueles olhos, aquelas mãos, aqueles colos que nos acolhem quando estamos assustados ainda neste mundo, quando estamos doentes ou simplesmente quando o mundo nos assusta no seu crescimento aos nossos olhos. Este é um amor que nunca morre, que não se altera, que tudo perdoa. É o amor por quem nos deu a vida, por quem nos fez ser as pessoas que somos hoje. A Sagrada Família é, por defeito, o melhor exemplo deste tipo de Amor, e é nela que devem estar os nossos olhos sempre que surgirem dúvidas ou sempre que as tempestades teimarem em nos torvar a visão.
Aprendemos a amar os nossos irmãos – seres que na verdade odiamos e amamos ao mesmo tempo durante a nossa vida. Odiamo-los sempre que precisamos de partilhar espaços e atenções e carinhos parentais mas, ao mesmo tempo, amamo-los do fundo do nosso coração e reviramos o mundo sempre que e se eles precisarem. Jesus tem em Pedro o seu irmão, não de sangue mas de caminho, e é claro o amor fraterno que sentem um pelo outro, tal como nós pelos irmãos, de sangue ou por escolha.
Porque enquanto crescemos vamos aprendendo a amar os nossos amigos, família que escolhemos para partilhar um caminho que nem sempre é tranquilo, e que dificilmente conseguiríamos percorrer sozinhos. São essas pessoas que vamos escolhendo que nos apontam, tantas vezes, as nossas falhas, qualidades, nos alertam e nos amparam. São eles os incríveis espelhos que nos ajudam ao auto-conhecimento. Os apóstolos não poderiam ser melhor encarnação deste tipo de relação – e sim, também há Judas Iscariotes na nossa vida (quem sabe se às vezes não somos nós a imitá-lo, até?)
Depois, eventualmente, conhecemos a pessoa que chamamos de ‘amor da nossa vida’. É uma paixão arrebatadora, ao início; depois vai-se transformando num amor tranquilo, sereno, onde o que alegra é a constância e não mais a turbulência da surpresa constante. É, geralmente, este o amor que mais sofrimento nos traz, também. Os namoros da adolescência são um drama, os da juventude marcados pelos problemas que passam de infantis a questões de adultos; os amores da vida adulta vividos já com uma bagagem tantas vezes difíceis de aceitar e fazer compreender.
São Paulo fala-nos, possivelmente da mais bela forma, do que é e deve ser o Amor. O amor paciente, que tudo espera, tudo desculpa e que tudo suporta. O amor que não é orgulhoso, que não se alegra com a injustiça, que não guarda ressentimento. Que não se irrita. O amor que nunca acabará.
Na sua primeira carta aos Coríntios [1], São Paulo fala-nos, possivelmente da mais bela forma, do que é e deve ser o Amor. O amor paciente, que tudo espera, tudo desculpa e que tudo suporta. O amor que não é orgulhoso, que não se alegra com a injustiça, que não guarda ressentimento. Que não se irrita. O amor que nunca acabará. Esta é muitas vezes a leitura escolhida pelos noivos no dia em que celebram o seu casamento – foi a que escolhi também, aviso já em jeito de declaração de interesses – porque, acredito, este é o desejo de todos quando começam uma vida a dois: o de que nunca acabe o amor.
O problema é que quando passa a euforia da paixão, da novidade e da magia comum a todos os inícios, começamos a ser engolidos pelo desencanto que, devagarinho, se vai querendo instalar entre rotinas, dificuldades, defeitos e particularidades de personalidade das quais nunca tínhamos dado conta. Agora, aquelas coisas tão pequeninas que nunca julgámos incomodar fazem-nos sentir que já não aguentamos mais; aquela loiça não lavada, aquele esquecimento repetido para as compras da casa, o descaso pela importância que um “obrigado” ou um “amo-te” pode ter todos os dias. Quando chegam os filhos, então, as coisas tornam-se ainda mais complicadas e aí é que São Paulo se enganava…claramente não se casou nem sabia o que dizia quando escrevia que o Amor [verdadeiro] nunca acaba.
Um dia tive o privilégio de cruzar-me com uma pessoa que me ensinou umas das mais importantes lições sobre o Amor e sobre como é vivê-lo, plenamente, toda a nossa vida: “Amar é um exercício de vontade”, dizia-me.
E antes de começarem já a pensar que estou absolutamente enganada – posso estar, mas a minha pouca idade ainda me permite devaneios e ingenuidade – pensem só um bocadinho sobre o assunto.
Se é certo que não escolhemos quem amamos, é também certo que todo o Amor (assim mesmo, com caixa alta) tem que ser trabalhado. Mais do que amarmos aquela pessoa, importa que queiramos amá-la. Importa que nos lembremos todos os dias das coisas pelas quais a amamos, pelas quais nos apaixonámos, pelas quais a escolhemos para viver uma vida a dois (ou a quantos forem, se houver filhos) para que as dificuldades ou os desencantos não se instalem.
Tal como o amor, o desamor também cresce se for alimentado. Por que não escolher, então, a vontade de querer, de estar, de gostar? É a este exercício de vontade que São Paulo nos convida, na verdade, quando nos dá uma lição sobre o que é, deve ser, o Amor.
É este mesmo exercício de vontade que somos convidados a fazer mesmo que não estejamos a falar de uma relação conjugal: é preciso amar quem está ao nosso lado, porque é a isso que somos exortados enquanto cristãos; é preciso amar quem nos cruza o caminho com ideias tão diferentes das nossas, porque é assim que podemos ensinar o Amor; é preciso amar quem nos desafia, porque é assim que crescemos; é preciso amar-nos, também, para que todas as anteriores sejam possíveis.
E neste exercício de amar quem já amamos ou quem sentimos alguma dificuldade em amar, vamos descobrir pelo menos duas coisas incríveis que gostava de partilhar convosco:
(1) Amar é-nos, realmente, inato, mas tal como perdemos a prática do exercício físico, é fácil perdermos a capacidade de amar. E se deixamos de amar, como vamos encontrar a luz todos os dias? Como nos vamos permitir o dom do encantamento nas coisas pequeninas que nos acontecem? Como vamos deixar que Jesus entre, se teimamos em não lhe abrir a porta? Como vamos conseguir renascer, todos os dias, na certeza de que amamos e somos amados – a única coisa que realmente importa?
(2) Amar assim, com Amor grande, faz-nos pessoas mais fortes, mais generosas e mais completas. Faz-nos sorrir com vitórias que não são nossas, faz-nos sofrer com mágoas que nos não pertencem, faz-nos ter um brilho no olhar com a felicidade que testemunhamos, faz-nos ser testemunhas de tantas alegrias que o Amor não pára de crescer e de multiplicar.
Que em 2019 saibamos praticar este exercício de vontade e fazer parte de uma mudança de que o mundo precisa urgentemente: a de que o Amor ganhe.
[1] 1 Cor, 13, 4-13
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.