Durante a minha licenciatura em Comunicação Social e Cultura na Universidade Católica Portuguesa, tive a oportunidade de escolher uma variante nova. Integrei, orgulhosamente, o primeiro ano da Variante Digital. Logo nas primeiras aulas, senti-me especial quando um dos professores nos caracterizou como nativos digitais, a primeira geração a contactar com as tecnologias digitais emergentes durante a adolescência, e que com elas lidava tão naturalmente, quando as outras gerações sentiam dificuldades de adaptação a este novo mundo. Por vários anos, esta sensação de ser especial, e de estar na vanguarda de tudo o que dizia respeito ao digital, subsistiu, alimentada pelos meus alunos, que me iam mantendo a par das novidades. Mas, aos poucos, dei por mim a não perceber o sentido de humor de alguns memes. Percebi que me sentia mais confortável com as publicações do que com as stories no Instagram. Vi que tinha perdido a oportunidade de comprar bitcoins. Comecei a sentir-me meia estonteada pelas coreografias do TikTok. E no dia em que os meus filhos me chamaram “cringe” pela primeira vez, fui obrigada a enfrentar a dura realidade: o mundo digital de hoje é completamente diferente do mundo em que cresci como nativa.
Os meus filhos dizem-me muitas vezes que não imaginam como seria estudar antes de existir o Google. Recordo-me logo de difíceis decisões em grupo sobre quantas imagens a cores tínhamos dinheiro para imprimir para colocar num trabalho em papel, recortadas e coladas. Parece que sinto novamente os calos que tinha nos dedos da mão direita, resultantes de tentar apontar avidamente tudo o que os professores diziam, sem slides para me apoiar. Lamento todo o tempo passado na fila da reprografia, para adquirir sebentas em papel compiladas pelos professores, ou tirar fotocópias de apontamentos escritos à mão, e cuidadosamente facultados por colegas em anos mais avançados. E recordo-me de um livro de que necessitava para um trabalho, encomendado numa livraria, e que chegou exatamente duas semanas depois do prazo de entrega.
Efetivamente, o computador pessoal, a Internet, e o Google como motor de busca de referência em particular, alteraram radicalmente o acesso à informação, e a forma de ensinar e aprender. Se o acesso à informação foi facilitado e muitas tarefas foram agilizadas por algo aparentemente tão simples como o “copiar, colar”, novos desafios surgiram, tais como selecionar informação que agora é em excesso, analisar a credibilidade de fontes, verificar dados, resumir e sintetizar. A Inteligência Artificial, e o ChatGPT especificamente, parecem-me, de certa forma, um dejá vu, pelo seu caráter disruptivo e potencial transformador. Certamente que os meus netos sentirão o mesmo espanto quando pensarem sobre como é que os seus pais estudavam sem o ChatGPT.
Se o acesso à informação foi facilitado e muitas tarefas foram agilizadas por algo aparentemente tão simples como o “copiar, colar”, novos desafios surgiram, tais como selecionar informação que agora é em excesso, analisar a credibilidade de fontes, verificar dados, resumir e sintetizar.
Nos vários níveis de ensino, instala-se um debate já tradicional no que toca às tecnologias digitais, mas agora com um novo protagonista: o ChatGPT. É a melhor coisa que nos aconteceu desde o Google? Ou há que impedir os alunos de o utilizarem para copiar a todo o custo? Fornece informação confiável? Vai facilitar-nos a vida? Vai substituir os professores? Apesar de estas questões serem recentes, a investigação científica oferece já algumas respostas. Multiplicam-se os artigos sobre a aplicação da Inteligência Artificial na Educação, e o ChatGPT vai surgindo ora como herói, ora como vilão.
A maior parte dos estudos centram-se na perspetiva do docente. Alguns exploram a forma como o ChatGPT pode ser usado como ferramenta de suporte a várias ações educativas, outros vão um pouco mais além e questionam se a Inteligência Artificial pode dar origem a novas abordagens pedagógicas. As principais vantagens reconhecidas pelos professores eram já oferecidas por outras tecnologias digitais, mas atingem agora uma outra escala. Uma das mais destacadas é que o ChatGPT tem potencial para personalizar a aprendizagem consoante as necessidades, o ritmo e o estilo de aprendizagem, e até as preferências de cada aluno, apoiando os professores na criação de materiais para ensino, estudo e avaliação diferenciados. Outra é o seu potencial para aumentar a motivação dos estudantes, através do envolvimento que é capaz de proporcionar. Estudos anteriores mostram que, em geral, as crianças são atraídas pelo uso de tecnologias digitais, que associam ao entretenimento, e por isso a integração destas tecnologias em sala de aula, ou em contextos educativos informais, tem como efeito a maior motivação das crianças. Este facto estende-se ao ChatGPT, e é mesmo reforçado pela sua natureza dialógica e interativa. As conversas informais e amigáveis que proporciona podem tornar a aprendizagem e o estudo mais envolventes e divertidos, bem como oferecer o feedback instantâneo que as crianças estão habituadas o obter de plataformas como as redes sociais e os jogos digitais.
As principais vantagens reconhecidas pelos professores eram já oferecidas por outras tecnologias digitais, mas atingem agora uma outra escala. Uma das mais destacadas é que o ChatGPT tem potencial para personalizar a aprendizagem consoante as necessidades, o ritmo e o estilo de aprendizagem, e até as preferências de cada aluno, apoiando os professores na criação de materiais para ensino, estudo e avaliação diferenciados.
Tanto a personalização como a motivação são aspetos vantajosos para os professores, mas também para os alunos, permitindo a cada um estudar e aprender ao seu ritmo, consoante as suas necessidades e preferências. Cada aluno pode interagir com esta ferramenta de uma forma totalmente personalizada, pois o ChatGPT considera o histórico de conversas para se ajustar ao seu interlocutor, por exemplo, fornecendo exemplos no âmbito dos interesses e preferências de cada aluno, ou propondo exercícios e atividades adaptados ao estilo de aprendizagem. É também uma ferramenta permanentemente disponível, permitindo que cada aluno estudo ao seu ritmo e melhor conjugue o estudo e a aprendizagem com outras dimensões da sua vida. Será interessante estudar o efeito do uso do ChatGPT no desenvolvimento de competências sociais por parte dos alunos, em aspetos como a comunicação e a empatia. Estudos anteriores mostram que o uso excessivo de tecnologias digitais pode prejudicar o desenvolvimento deste tipo de competências sociais, e seria interessante investigar se o ChatGPT, pela sua natureza conversacional, poderá ter efeito contrário.
Estudos anteriores mostram que o uso excessivo de tecnologias digitais pode prejudicar o desenvolvimento deste tipo de competências sociais, e seria interessante investigar se o ChatGPT, pela sua natureza conversacional, poderá ter efeito contrário.
Mas estes mesmos aspetos que podem ser vantajosos, também acarretam riscos e dúvidas. Uma das principais preocupações é a qualidade da informação fornecida pelo ChatGPT, bem como a sua adequabilidade à idade do interlocutor. A qualidade e a adequabilidade das respostas fornecidas dependem tanto da Inteligência Artificial quanto da capacidade de cada aluno para colocar as perguntas certas, analisar criticamente as respostas, e manter um diálogo até obter um resultado satisfatório e útil. Se, por um lado, usar o ChatGPT irá certamente promover o desenvolvimento destas capacidades, a sua utilização precoce, sem orientação e acompanhamento, poderá expor as crianças a riscos ou simplesmente não proporcionar uma aprendizagem de qualidade.
Por fim, importa considerar aspetos relativos às plataformas em si. A internet algorítmica que temos atualmente assenta em plataformas que oferecem serviços e benefícios aos utilizadores, que são apresentados de forma gratuita. Essa gratuidade refere-se a não existir um pagamento monetário por parte dos utilizadores, mas estes pagam através de outros bens, nomeadamente os seus dados, o seu tempo, as suas interações como gostos e partilhas, e os conteúdos digitais que produzem e disponibilizam a outros utilizadores, valorizando as plataformas que utilizam. Estes bens são depois convertidos pelas plataformas em valor financeiro, através da venda de publicidade altamente eficaz e através da venda de dados a terceiros. E no caso do ChatGPT, qual é o modelo de negócio por detrás do seu funcionamento? Sabemos que é necessária uma subscrição paga para ter acesso a informação mais atual e a uma variedade de plug-ins que permitem utilizações mais específicas, mas há dúvidas sobre as finalidades conferidas aos dados recolhidos por este tipo de plataformas inteligentes, sobre a capacidade de aprendizagem da Inteligência Artificial, e, consequentemente, sobre a segurança dos seus utilizadores, o que, no caso de estes serem menores e não terem ainda completamente desenvolvidas a sua literacia mediática e o seu espírito crítico, são ainda mais preocupantes.
Assim, o papel do professor não parece ser substituível pela Inteligência Artificial, mas os professores poderão vir a ser chamados a reinventarem-se, atuando menos como transmissores de informação, e mais como guias para o desenvolvimento das competências necessárias para um estudo e uma aprendizagem mais autónomos e personalizados, e como garantia da segurança das crianças, de que estas fazem um uso seguro e benéfico de todas as potencialidades da Inteligência Artificial.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.