Atividade mineira e ecologia integral – onde se encontram?

A indústria mineira pode e deve ser olhada a partir da ecologia integral, analisando o seu enquadramento de forma holística, interconectada e relacional, não meramente tecnocrática e sem equacionar questões sociais e ambientais.

Como é fácil imaginar, as violações de Direitos Humanos perpetradas no âmbito da atividade empresarial, quando acontecem, verificam-se independentemente da geografia. Contudo, o investimento influenciado pelo Ocidente, apesar das inúmeras críticas domésticas que as democracias felizmente permitem, tem sido um promotor óbvio de esforços na lógica “proteger, respeitar e remediar” dos princípios orientadores das Nações Unidas para a ação das empresas nessa matéria. Em particular, quando estas pretendem desenvolver projetos em países suscetíveis de serem considerados mais desafiantes.

Desde que escrevi este artigo, estive envolvido em projetos de diferentes indústrias em países de África, América do Sul, Médio Oriente, Ásia e Europa, dando o meu contributo em diferentes domínios do que se chama social performance, pelo que não me inibo ao declarar o tremendo impacto que se pode alcançar ao influenciar a atuação de agentes económicos. Ainda mais tratando-se de contextos usualmente geradores de muita riqueza que, cada vez mais, quando operados sob influencia de critérios que procuram ser justos, conduzem a impactos positivos e os negativos são adequadamente mitigados na dimensão local dos projetos.

No quadro de uma geopolítica tensa como a que agora vivemos, e dando-nos conta de interesses não ocidentais fortemente presentes pelas geografias mais diversas, faz sentido indagar qual tem sido o impacto da crescente exigência de transparência por parte de entidades ocidentais. Participamos (e, por consequência, influenciamos a realidade local) mais ou menos que outros em projetos de infraestruturas, de indústrias extrativas ou renováveis, situados em lugares onde as elites possam preferir credores que assumidamente dão primazia a métodos não transparentes de entrega e gestão de fundos? Com que consequências para a influência ocidental no contexto global? E para o ambiente e os Direitos Humanos associados ao desenvolvimento de negócios nessas geografias? São questões complexas, porventura difíceis de gerir garantindo que se continua a progredir no cumprimento de boas práticas por parte de Estados e empresas.

Independentemente destas reflexões, a indústria mineira, que permanece a discutir-se esporádica e apaixonadamente em Portugal, geralmente por más razões salvo raras e circunscritas exceções, permanecerá uma atividade crítica para o alcance da neutralidade carbónica e o cumprimento de diferentes objetivos de desenvolvimento sustentável. Como há dias afirmava Rohitesh Dhawan, CEO do International Council on Mining and Metals (ICMM), “a necessidade de reduzir as emissões globais de carbono, de conter as alterações climáticas, transformou a imagem pública da indústria mineira. (…) A necessidade de minerais para a transição energética permitiu às pessoas verem a importância da atividade mineira. Temos uma oportunidade única para mudar a relação entre a indústria e a sociedade.” A indústria mineira, comentada em diferentes ocasiões pelo Papa Francisco, é uma atividade que pode e deve ser olhada a partir da ecologia integral, ou seja, analisando o seu enquadramento de forma holística, interconectada e relacional, não meramente tecnocrática em que se privilegie o interesse económico sem equacionar questões sociais e ambientais.

A indústria mineira, comentada em diferentes ocasiões pelo Papa Francisco, é uma atividade que pode e deve ser olhada a partir da ecologia integral, ou seja, analisando o seu enquadramento de forma holística, interconectada e relacional, não meramente tecnocrática em que se privilegie o interesse económico sem equacionar questões sociais e ambientais.

Diferentes questões são discutidas em Catholic Peacebuilding and Mining (2022), um documento que reflete sobre “o bom posicionamento da Igreja Católica para reconhecer o papel essencial da indústria mineira e simultaneamente desafiar práticas não éticas e danosas” nessa indústria. Interessa assinalar o quanto os padrões internacionais que estabelecem boas práticas (IFC, EP, UNGPs e outros), que vão evoluindo, proliferando e cujo cumprimento se reflete no valor e reputação das empresas, dão resposta total ou parcial à visão de ecologia integral, nomeadamente através de:

  • Processos de envolvimento com partes interessadas, incluindo comunidades afetadas, ONG e grupos vulneráveis;
  • Processos participativos de decisão atempados;
  • Sistemas de acesso a remediação;
  • Restauração de meios de subsistência;
  • Processos justos de reinstalação;
  • Integração de sistemas de consentimento livre, prévio e informado de populações indígenas;
  • Acolhimento de diferentes noções de desenvolvimento;
  • Programas de desenvolvimento comunitário alinhados com o interesse local;
  • Preservação do património cultural;
  • Condições de trabalho;
  • Segurança;
  • Prevenção da poluição;
  • Preservação da biodiversidade e ecossistemas;
  • Responsabilização cada vez mais visível de membros de administrações, entre outros.

Neste quadro, e entre vários exemplos de participação da Igreja Católica em contextos de atividade mineira, vale destacar o importante papel desempenhado pela Conferência Episcopal da República Democrática do Congo – zona de conflito onde se encontram matérias-primas essenciais à transição energética – mencionado num relatório do Conselho de Segurança da ONU. Esta Conferência Episcopal assumiu, desde os anos 2000, um papel fundamental e ativo na frente do diálogo social e político, na monitorização de impactos, na capacitação de comunidades e na ajuda à construção de paz no contexto de danos e violência que a atividade de acesso a recursos naturais pode gerar. Sendo certo o caráter voluntário dos referidos padrões de atuação e que, em muitos casos, se pode considerar que a moral cristã vai mais longe, no sentido em que propõe uma visão sobre o “valor intrínseco” do que é explorado e não apenas o seu valor monetário, a verdade é que existe uma tendência progressiva para acolher nos enquadramentos legais muitas destas questões.

A recente Corporate Sustainability Due Diligence Directive (CS3D), que teve como referência as também atualizadas Guidelines for Multinational Entreprises on Responsible Business Conduct da OCDE (OECD Guidelines) é uma boa notícia. Quando implementada, exigirá a empresas a operar na Europa um processo de due diligence, não apenas de impactos ambientais, mas também das potenciais violações de Direitos Humanos nas respetivas cadeias de valor em sentido ascendente e descendente. O desenvolvimento de minas em Portugal deve, portanto, pressupor que decisores e operadores têm claras estas considerações. Os seus clientes, também eles, terão em muitos casos a obrigação de executar adequada e atempadamente esse processo, e o resultado disso, por sua vez, está intrinsecamente ligado à forma como cada projeto impacta as comunidades.

 

* A fotografia que ilustra o artigo está disponível online aqui. A imagem reflete um complexo mineiro reabilitado em França.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.