Não é surpresa para ninguém que o Bloco de Esquerda (BE), possivelmente o partido de extrema-esquerda mais anticatólico de Portugal, já tenha anunciado que vai voltar a propor, na próxima legislatura, a legalização da eutanásia, que entende ser uma sua prioridade política.
José Manuel Pureza, que é o principal promotor da legalização da eutanásia em Portugal, declarou perentoriamente: “O Bloco [de Esquerda] assume o compromisso de apresentar na próxima legislatura uma proposta de despenalização da morte assistida nos mesmos termos que apresentou em 2018. Essa proposta despenalizará a actuação de quem, face a um pedido reiterado de alguém com doença fatal e irreversível e com um sofrimento insuportável, comprovados por dois médicos, colabore na concretização da antecipação da morte pedida por essa pessoa” (Público, 18-7-2019).
Apesar da derrota sofrida no parlamento, o BE volta a propor a legalização da eutanásia em Portugal, repetindo os argumentos já ensaiados, sem êxito, na presente legislatura. Em vez de afirmar que se trata, obviamente, de uma licença para matar legalmente pessoas inocentes, diz, de forma eufemística, que só pretende a despenalização do auxílio prestado a quem, numa situação dramática, pede para deixar de sofrer.
Não é original, nem inocente, esta tentativa de escamotear, através da linguagem, a verdadeira realidade da eutanásia. Também os nazis, quando se referiam ao extermínio dos judeus e de outros sujeitos indesejáveis para o regime nacional-socialista, recorriam ao eufemismo de uma expressão aparentemente inócua: a solução final. E, os defensores do aborto, reduzem a morte provocada do feto a uma mera e aparentemente insignificante interrupção voluntária da gravidez…
Não só se procura esconder a realidade da eutanásia, como também se pretende que a mesma seja a única resposta humanitária, senão mesmo moral, para quem se encontra numa situação dramática. Mas, o pedido reiterado de um doente, sobretudo se em grande sofrimento, não pode ser tido como se fosse uma declaração feita por quem está no pleno uso das suas faculdades. Com efeito, um paciente nesse estado não age com liberdade, porque está sob a pressão de um sofrimento intolerável.
É compreensível que alguém, em agonia, desespere, mas não é razoável satisfazer o desejo de uma pessoa desesperada. Muitos dos que ameaçam suicidar-se não se querem matar, mas pedir ajuda para a sua dolorosa situação: quem diz que quer morrer, em geral não quer deixar de viver, mas de sofrer.
Por outro lado, pode erradamente supor que a única forma de se libertar das dores que sente é pondo fim à vida quando, muitas vezes, há soluções que permitem mitigar, e até suprimir, o sofrimento. É compreensível que alguém, em agonia, desespere, mas não é razoável satisfazer o desejo de uma pessoa desesperada. Muitos dos que ameaçam suicidar-se não se querem matar, mas pedir ajuda para a sua dolorosa situação: quem diz que quer morrer, em geral não quer deixar de viver, mas de sofrer.
São também muito discutíveis os conceitos de “doença fatal e irreversível” e de “sofrimento insuportável”. Um diabético tem, em princípio, uma doença fatal e irreversível, mas há milhões de diabéticos que conseguem viver muitos anos e com grande qualidade de vida, não obstante essa “doença fatal e irreversível”. A cegueira pode ser, para alguns, como foi para o escritor Camilo Castelo Branco, um “sofrimento insuportável”, até ao extremo de se suicidar por esse motivo, mas há muitos invisuais que têm uma vida feliz, também em termos profissionais e afectivos. A indeterminação destas noções favorecerá a arbitrariedade de quem decida a vida ou morte de pessoas doentes, sobretudo se estiverem impedidas de manifestar a sua vontade, ou forem menores.
É acintosa a forma como se classificam todos os que defendem a vida até à morte natural. Com efeito, não só são acusados de serem intolerantes, mas também preconceituosos.
Repete-se a estratégia de apresentar a legalização da eutanásia como reivindicação de um suposto direito, que a todos deveria ser reconhecido, esquecendo-se, contudo, que ninguém tem um direito absoluto à vida. Em nome da dignidade humana, a lei não pode permitir que uma pessoa, mesmo sabendo o que faz e querendo-o, aliene a sua liberdade, aceitando ser escravo de outrem, ou renuncie à sua vida, consentindo no seu homicídio. Tolerar o que, nestes casos, é indigno da condição humana, não é ser tolerante, mas desrespeitar os mais elementares direitos humanos, ao jeito do regime nazi, que aplicou, em larga escala, a eutanásia. É, em todos os casos, uma prepotência totalitária.
É também falacioso o entendimento de que, na realidade, é apenas uma questão de liberdade. Para os bloquistas, “despenalizar a morte assistida não obriga ninguém a adoptar um modelo de fim de vida”. Pelo contrário, “isso é o que acontece hoje com a punição consagrada no Código Penal. Trata-se, portanto, de uma decisão que alarga o espaço de liberdade, dos direitos e da tolerância na sociedade portuguesa”.
Claro que estas mesmas palavras poderiam ser também usadas para legitimar qualquer outro comportamento criminoso: por que não legalizar também o comércio de estupefacientes se, no fundo, não se trata de obrigar ninguém a consumir drogas, mas apenas dar essa hipótese a quem o queira livremente fazer?! Aliás, se se legalizar a eutanásia, não faz sentido proibir o comércio de estupefacientes porque, na realidade, a razão dessa interdição é, precisamente, porque podem causar a morte de quem as consome. Ora, se se concede a alguém a licença de se matar, porque não se lhe há-de dar também a liberdade de se drogar?! Porque proibir o comércio de substâncias que causam a morte, se se pode escolher o modo e o momento do fim da própria vida?!
Ante a iminência do regresso do debate sobre uma questão civilizacional absolutamente fundamental, há que recordar a excelente Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa: Eutanásia: o que está em jogo? Contributos para um diálogo sereno e humanizador, com um valioso Anexo de Perguntas e respostas sobre a eutanásia (Edição do Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, Fátima 2016).
Mas é também necessário que todos na Igreja – bispos, padres, religiosos e leigos, sobretudo os que, pelos seus conhecimentos, médicos e jurídicos, estejam mais aptos para a defesa da vida – se empenhem nesta causa, denunciando as falácias da cultura da morte e do discurso pró-eutanásia, desmascarando os lobos disfarçados de ovelhas do rebanho de Cristo e, sobretudo, dando a conhecer a todos as razões da nossa esperança (1Pd 3, 15).
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.