À procura da identidade sexual

O que ninguém ignora é que esta educação sexual é o cavalo de Troia para levar a ideologia do Estado a todos os níveis de ensino, sem debate nem contraditório - por muito que o Documento tencione reforçar as competências democráticas do cidadão.

Como fossem poucas as disciplinas curriculares do Ensino Básico, foi agora criada mais uma: Cidadania e Desenvolvimento, obrigatória em todos os níveis, desde o pré-escolar ao Secundário. A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC) destina-se a todas as escolas. É de natureza transdisciplinar no 1.º ciclo, disciplina autónoma no 2.º e no 3.º ciclos, e desenvolvida transversalmente no ensino secundário. Já se prepara a formação inicial e contínua dos professores, condição essencial para lecionar a disciplina.

Entre os diferentes domínios da Educação para a Cidadania, há os obrigatórios em todos os níveis e ciclos de escolaridade – como “Igualdade de género”­ – e outros obrigatórios em pelo menos dois ciclos do ensino básico – como “Sexualidade (diversidade, direitos, saúde sexual e reprodutiva) ”.

O que ninguém ignora é que esta educação sexual é o cavalo de Troia para levar a ideologia do Estado a todos os níveis de ensino, sem debate nem contraditório – por muito que o Documento tencione reforçar as competências democráticas do cidadão.

Ninguém fica imune a este novo “saber” pois ele é objeto de avaliação e passou a fazer parte do certificado de conclusão da escolaridade obrigatória.

Se pensávamos que a educação sexual era competência dos pais, descobrimos que fomos desqualificados. A educação sexual é privilégio de especialistas – mas somente daqueles que primeiro deram provas de acatar o dogma, frequentando as ações de formação certificadas pela Equipa Nacional de Educação para a Cidadania.

Se pensávamos que a educação sexual era competência dos pais, descobrimos que fomos desqualificados. A educação sexual é privilégio de especialistas – mas somente daqueles que primeiro deram provas de acatar o dogma, frequentando as ações de formação certificadas pela Equipa Nacional de Educação para a Cidadania.

A procura da identidade
O tema da construção da identidade sexual é caraterística inata ou é fruto de um percurso? E nesse caso, como se desenvolve esse percurso? Podemos intervir? Devemos intervir? Como? São perguntas que o Estado não admite, mas que fazemos como pais e mães, porque a identidade sexual de uma pessoa não é característica acidental ou secundária. É um espeto crucial da sua identidade pessoal, que tem origem em algo que a precede, algo que recebeu, independente da sua vontade.

É da experiência de cada um que, quando nasce um bebé, logo se pergunta: menino ou menina? O seu sexo, inicialmente só físico, é um dado (recebido) que comporta elementos psicológicos, emocionais, relacionais diferentes. Nasce-se homem ou mulher, de acordo com uma combinação de cromossomas que a genética demorou anos a descrever mas que a humanidade soube reconhecer durante milénios.

Hoje, tudo isso foi posto em questão, não pela investigação ou a ciência, também ela em perda de liberdade, mas por um vago modo de sentir à nossa volta – o dogma relativista segundo o qual, cada manifestação do humano é uma construção cultural. Isto implica que o sexo não exista em si mesmo mas seja uma escolha pessoal, entre tantas.

Pai e mãe na construção da identidade
A verdadeira construção da identidade não é nunca um processo automático ou garantido. É o resultado lento e progressivo das relações dinâmicas entre o que temos de herança e o nosso ambiente relacional. O Eu precisa sempre de um Outro, com o qual aprende a conhecer-se e a reconhecer-se, sem o qual a nossa perceção do eu permanece incompleta. O Eu da criança constrói-se antes de mais com o olhar do Pai e da Mãe que cuidam dela. O Eu do adolescente recebe um impulso crucial com a crescente capacidade de autorreflexão.

Todos sabemos que os adolescentes são especialmente vulneráveis às modas. Têm necessidade de afirmar a sua identidade exclusiva e de se sentirem diferentes, especiais, mas têm ao mesmo tempo uma enorme necessidade de se sentirem aceites pelos seus pares e integrados no seu grupo. Por isso, mesmo o gesto de “sair do armário” é tantas vezes coletivo.

O desenvolvimento da identidade sexual não pode deixar de acompanhar este processo. Nasce-se homem ou mulher, mas as experiências relacionais (o olhar do Outro) ao longo do tempo fazem com que aceitemos ou recusemos o nosso sexo biológico. Abandonar a realidade biológica e ir à procura de tratamentos hormonais é aceitar experimentalismos de consequências irreversíveis.

Neste sentido, parece-me extremamente útil recordar que os pais têm as maiores competências afetivas e educacionais para ajudar os filhos na realização do seu percurso identitário. As figuras paterna e materna têm um papel complementar entre si, na descoberta do que favorece e do que prejudica o percurso identitário dos seus filhos. Isso não é oprimir a identidade do adolescente. É ter propósito.

Neste sentido, parece-me extremamente útil recordar que os pais têm as maiores competências afetivas e educacionais para ajudar os filhos na realização do seu percurso identitário. As figuras paterna e materna têm um papel complementar entre si, na descoberta do que favorece e do que prejudica o percurso identitário dos seus filhos. Isso não é oprimir a identidade do adolescente. É ter propósito.

Especificidades dos sexos?
Hoje, no entanto, para exercermos esse papel, é necessário ir contra a corrente e falar de matéria socialmente incorreta: especificidade e complementaridade dos sexos.

Normalmente só falamos das diferenças entre o homem e a mulher em tom anedótico. Está na hora de perguntarmos se haverá mais do que anedotas. Anedota é, como descreveu Candela Sande, ver como, diante de um evidente matulão no meio de uma prova de desporto feminino, todos os participantes, organizadores e jornalistas fingem que estão diante de uma mulher, para demonstrar que nós, as mulheres, não temos limites no desporto!

Claro que importa não confundir especificidade masculina ou feminina com a legítima mutabilidade dos papéis do homem e da mulher nos diversos contextos históricos e culturais.

É verdade que as estratégias de busca do poder nas sociedades ‘machistas’ e a condição de submissão da mulher fizeram dela antagonista do homem, tendo como resultado a rivalidade dos sexos. E daí resultou outra consequência: para evitar a supremacia de um ou outro sexo, cancelaram-se as diferenças, negando-as e reduzindo-as a simples condicionamento histórico-cultural.

Diversidade não significa diferença de valor, nem incapacidade do homem ou da mulher para atividades ou para papéis específicos. Mas a teoria do género, na medida em que cancelou as diferenças sexuais, em vez de trazer a solução veio acrescentar novos problemas[1]. As diferenças de sexo deveriam ser encaradas de um ponto de vista relacional, não competitivo. Só a rivalidade fez com que a questão da identidade sexual e dos papéis sociais fosse encarada como uma desvantagem em relação ao outro.

Embora a raiz imediata desta tendência seja no fundo a questão feminina, a sua mais profunda motivação é tentar libertar a pessoa dos seus condicionamentos, também biológicos, para declarar que somos livres de fazermos o que quisermos. Para a antropologia pós-moderna, a natureza humana não traz consigo características que se imponham de forma absoluta. Para ser livre, qualquer pessoa deveria configurar-se segundo os seus próprios desejos, livre de toda a pré-determinação, livre até do que a natureza lhe dá.

Bases científicas param esse programa ideológico? Nem a ciência parece resistir ao novo “iluminismo”. Se necessário, alteram-se os dados das ciências, como John Money tentou fazer na história trágica da experiência sexual que realizou com dois gémeos canadianos, Bruce e Brian Reimer. A história terminou em 2004 com o suicídio de David Reimer, a criança que nascera Menino (Bruce), crescera como menina (Brenda) e aos 13 anos (tarde demais) quis voltar a menino e tomou o nome de David.

O recente Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional (27/10/2018) reafirmou determinante a relevância antropológica das diferenças e reciprocidades entre o homem e a mulher, considerando, aliás, redutor definir a identidade da pessoa a partir unicamente da sua orientação sexual (nº 150).

Emancipar as mulheres não é impor-lhes padrões masculinizados, que negam as suas especificidades. A atitude de desprezo ou mesmo de compaixão em relação a mulheres cujas opções e interesses não são comuns aos dos homens é uma nova forma de machismo encapotado.

Falácias da igualdade
É certo que a cultura moderna e contemporânea abriu novos caminhos para a compreensão da mulher, mas também introduziu muitas sombras. As mulheres não têm menos nem mais capacidade para se especializarem num trabalho profissional qualificado. Mas se formos inibidos de investigar o que diferencia a mulher e o homem nos seus diferentes modos e atitudes em relação à vida, então não podemos tirar partido da complementaridade que caracteriza o ser humano.

Emancipar as mulheres não é impor-lhes padrões masculinizados, que negam as suas especificidades. A atitude de desprezo ou mesmo de compaixão em relação a mulheres cujas opções e interesses não são comuns aos dos homens é uma nova forma de machismo encapotado. Resulta da desvalorização implícita dos seus desejos, gostos e perceções, das suas capacidades, da sua criatividade – de tudo quanto tem de mais valioso e diferente a sua identidade.

Senhores especialistas da igualdade de género, deixem-nos ser diferentes. Será que a igualdade de dignidade só se reconhece se nos impuserem modelos masculinos de realização profissional? Ao declarar a mulher igual ao homem, parte da sua identidade acabou por ser absorvida em nome de um mundo perfeitamente funcional para o homem. Não será isso que legitima que as mulheres recebam menos, sejam preteridas no emprego e sejam despedidas se estão grávidas ou se têm de dar assistência à família?

Um para o outro
Cancelar o que é efetivamente diferenciador na mulher só acontece porque a sociedade despreza as mulheres cujos interesses não sejam comuns aos dos homens. É hora de valorizar as opções das mulheres (desde logo a maternidade), antes de pedir às mulheres que renunciem aos seus interesses em nome de outros papéis que só o preconceito considera superiores.

Falar de diferenças entre o homem e a mulher não serve para fundamentar qualquer tipo de oposição ou de subordinação, mas é indispensável para evitar as colisões e chegar à comunhão.

Mulheres anjo solitárias, eternamente belas e imperturbáveis, que se esquecem de si para servir o marido e os filhos, incansáveis, dóceis e submissas, sem vida própria – são utopia!

Mas todos conhecemos mulheres alegres, que se cansam e descansam, e que são muito realizadas na maternidade e na família que escolheram livremente, lado a lado com um pai reciprocamente presente e responsável. Em verdadeira paridade: um para o outro.
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[1] “Remover as diferenças, de facto, é o problema não a solução”, escreveu Francisco (Famiglia in cammino, 2015: 49).

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.