A 77ª edição dos Globos de Ouro deste ano galardoou a mais recente produção cinematográfica de Sam Mendes com os prémios de melhor realizador e de melhor filme dramático. Vale a pena ver esta obra, cuja narrativa se complementa, a meu ver, com Jarhead, outro filme de guerra que Mendes realizou em 2005.
A partir de eventos históricos e de personagens verídicas, tanto 1917 como Jarhead levam-nos a percorrer cenários de guerra. Enquanto que no primeiro filme acompanhámos a incursão do soldado norte-americano Anthony Swofford durante a primeira Guerra do Golfo, esta produção de 2020 situa-nos no coração da Primeira Guerra Mundial. O deserto do Iraque dá, então, lugar às paisagens da primavera francesa. Mas repete-se o cenário de destruição absurda.
Em 1917, estamos em pleno auge de uma das guerras mais cruentas que o mundo jamais conheceu. Exércitos prussianos defrontam as forças britânicas em território francês. O general inglês em serviço informa um jovem soldado, Tom Blake, que o batalhão, onde se integra o seu irmão mais velho, corre o sério risco de ser completamente dizimado pelos alemães. Visto que as linhas de comunicação foram danificadas pelo inimigo, o general pede que Tom escolha outro soldado para a missão, quase impossível. Os dois devem atravessar as linhas do inimigo, de forma a alcançar o batalhão, a uns bons quilómetros de distância, evitando assim o sacrifício inútil de milhares de vidas.
O sacrifício em vidas humanas, acompanhado pela destruição de paisagens como é próprio de uma guerra, tanto é absurdo na areia do deserto do Médio Oriente como na lama das trincheiras europeias.
Enquanto os soldados americanos no Iraque realizam o que lhes é pedido em “quatro dias, quatro horas e um minuto”, Tom Blake e o seu companheiro de armas têm pouco mais que um dia e uma noite para chegar até ao local onde cerca de 1.600 homens estão prestes a ser enviados para a carnificina daquela guerra. Num caso, parece haver tempo, noutro não.
Mas os laços de amor dos soldados com os seus familiares, especialmente com os conjugues amados, motivam-nos para a missão. Levados para uma guerra entre nações, os soldados revelam ser o que são: homens de carne e osso, tal como nós. Assim, o cenário de destruição exterior, dos edifícios, dos bens materiais, das baixas em termos meramente numéricos, faz-se acompanhar pelo combate interior destas pessoas concretas: salvar os seus entes queridos, ou sobreviver de forma a poder revê-los ainda nesta vida. É este amor que enche os seus corações de esperança. Mais do que heróis, eles são sobretudo (e tão somente) pessoas. O sacrifício em vidas humanas, acompanhado pela destruição de paisagens como é próprio de uma guerra, tanto é absurdo na areia do deserto do Médio Oriente como na lama das trincheiras europeias. E, independentemente da nacionalidade ou das ideologias cujos exércitos representam, os homens continuam a ser homens, seja em 1917 ou em 1991.
Uma das particularidades de 1917 encontra-se, sem dúvida, no facto do filme decorrer ao longo de um único plano-sequência: a aventura dos dois soldados é-nos apresentada sem flashbacks, sem outras cenas paralelas, deixando correr a trama narrativa em plena continuidade ao longo de quase duas horas. Aliada à qualidade da fotografia de Roger Deakins e da música de Thomas Newman, esta continuidade faz-nos sentir como se estivéssemos dentro da cena. E, assim, facilmente nos deixamos comover pelos gestos de humanidade que alimentam a narrativa: seja de um soldado a ajudar uma mulher abandonada e destruída pela guerra, seja do homem a cantar, a certa altura para as tropas, a bela canção popular inglesa Poor Wayfaring Stranger. São esses gestos, muitas vezes carregados de lágrimas, que conferem ao cenário de guerra, isto é, ao absurdo das cidades e dos campos dizimados, a esperança de uma humanidade melhor.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.