Na Ilha dos Tesouros

Com a Mila, aprendo que nada nos pode roubar a Alegria. Com a Mila, no seu modo de ser e de viver, descubro que tenho a graça de viver numa ilha cheia de tesouros.

Na Boa Morte, bairro na cidade São Tomé, há muitos tesouros escondidos. Atrás dos cercados de chapa e de pequenos gestos, estão guardados grandes corações. A Mila é um desses tesouros que aos poucos vou descobrindo; uma das minhas (grandes) amigas da Boa Morte, minha professora de dialeto, um grande exemplo em muitas dimensões e a personificação da Alegria.

Depois de acordar de madrugada, a Mila faz arroz doce para pôr a vender na estrada, na quitanda da sua amiga Ana, e segue para o trabalho a pé; quando volta, antes do almoço, lava a roupa da família toda no tanque; à tarde, quando a encontro mais vezes, senta-se junto à estrada a descansar o corpo e a cabeça, à conversa com os amigos e com quem vai passando, antes de ir para casa outra vez, preparar o jantar para 9. E, no meio da exigência da sua rotina, nunca ouvi a Mila queixar-se de nada.

Tem 4 filhos de sangue, mas acolhe como suas mais 3 crianças – uma vez perguntei-lhe pelos 4 filhos e corrigiu-me logo: “são sete, tenho sete filhos”. Quando me atende o telefone ou me vê ao longe na estrada, larga sempre uma saudação tão viva e alegre que me faz agradecer o tesouro que é a sua amizade e me lembra como há sempre tanto para agradecer e saborear, mesmo nas dificuldades e na exigência da vida.

Pertence ao Grupo Comunitário da Boa Morte, onde vai marcando a sua presença discreta, mas assídua. Escuta mais do que fala e assim se vai empenhando na resolução dos problemas que vai/vamos identificando. Nos últimos tempos, superou-se a si própria e à sua timidez, quando foi bater às portas dos vizinhos, para juntos poderem comprar uma torneira para o chafariz onde todos vão buscar água.

E, há uns dias, enquanto me ensinava a amanhar peixe-voador no seu quintal, enquanto cantávamos e dávamos umas boas gargalhadas, perguntava-lhe: “Mila, como faz para viver com tanta Alegria?”. Encolheu os ombros e levantou as sobrancelhas, como se ser alegre fosse para ela tão natural como preparar o jantar para a família: “levanto da cama com o coração limpo”.

Com a Mila, aprendo que nada nos pode roubar a Alegria. Com a Mila, no seu modo de ser e de viver, descubro que tenho a graça de viver numa ilha cheia de tesouros.

 

Mariana Viana Baptista

São Tomé cidade, São Tomé e Príncipe, 2020-2021