Chegar a Porto Alegre. E sem “baixar a guarda”, deixar cair o medo ganho nos meses em Portugal, sob este imenso azul de céu e de mar, e verde envolvente sem fim.
Ter o olhar preso ao céu, a escuta atenta à água que já corre ou àquela que ainda cai, e os pés ansiosos pelo leve leve do caminho que diariamente se faz (dentro e fora do peito).
Os reencontros. Os muitos (e tão sentidos) sorrisos que guardaram abraços, que não sabemos ainda quando poderemos dar. E depois os outros, que algumas pessoas não aguentaram guardar – e aos quais nem me foi possível escapar, de tão espontâneos e rápidos que surgiram.
As crianças que não esquecem os nossos nomes, que riem ainda antes de as cócegas chegarem à barriga e, como sempre, pedem boleia mesmo quando vamos no sentido contrário ao do seu caminho – só porque sim.
As breves trocas de palavras enquanto compramos hortaliças. As tentativas de nos ensinarem sempre mais uma expressão em dialecto. E depois as conversas mais demoradas, com aqueles que, tal como nós, já sentiam a falta dos momentos de partilha.
O peixe fresco que compramos na mão de quem o pesca, e que junta sempre mais um no nosso saco. As bananas, mangas, abacates e fruta-pão que alguém sempre oferece e nos parecem e sabem como caídos do céu.
As pernas cansadas ao fim do dia e a leveza do pôr-do-Sol no mangrove ¹. O despertar a meio da noite, com a buzina do carro que entrega o pão que nos vai alimentar pela manhã.
Ouvir a animação da rua ao anoitecer. O coro espontâneo que se gera com as músicas da moda (e segurar os pés, que não podem agora sair a dançar livremente). Esperar o silêncio e ficar na varanda, debaixo do luar que faz a noite parecer aurora.
A vida comunitária. Aprender a dar e a receber colo. Cuidar do outro na oração e no alimento do corpo. Permitir que se construam pontes e derrubem barreiras. Dar espaço e tempo para que isso aconteça, no espaço e tempo de cada um(a).
Dar graças a cada dia. Pelo tanto que o Senhor me permite viver nesta terra, que também quero como minha, sentindo-me de novo – e finalmente – em casa.
Helena Tirapicos da Rosa
Porto Alegre, São Tomé e Príncipe, 2019-2020
[1] O mesmo que mangal: vegetação característica das zonas costeiras, onde a água doce e salgada se misturam