Como se do próprio Jesus se tratasse

“Olhava para ele e pensava em tantos bebés e crianças, que aqui tenho aprendido a cuidar como cuidaria do próprio Jesus…”

“Há quantos dias e noites esperamos nós o Natal?” – era assim que começava um poema num livro de Língua Portuguesa da escola primária, e que declamei numa festa de Natal.

Guardo na memória o poema, o palco improvisado em frente ao quadro de ardósia, as cores e o calor da sala – que era de aula, mas naquele dia foi de festa. Só não me lembro como tudo terminou, mas apostava 100 Dobras1 que terá sido com o clássico “A todos um bom Natal”, do Coro de Santo Amaro de Oeiras – que até em São Tomé se ouve na rádio nesta época!

O Natal remete para a família e para as crianças, e é nelas que tenho pensado.

No Idalécio, que ainda não andava sozinho pelo seu pé, e já chamava por nós, de varanda para varanda, com o braço esticado a cumprimentar-nos, mal se apercebia da nossa presença.

Na Soraia, que estranhou as caras escondidas no nosso regresso, e chorava bastante. Mas agora que andamos na rua sem máscara, já é ela que começa a tentar chamar por nós quando nos vê passar. É ela a primeira a sorrir e a mostrar vontade de brincar.

No Arielson, que acorda e vem para casa dos avós (em frente à nossa), no seu passo apressado e ainda bambo, mas já a esconder a cara atrás das suas pequenas mãos, ou daquilo que nelas transporta – e ri, ri muito, quando alinhamos na brincadeira e também usamos os pilares da varanda para (quase) nos escondermos.

No Gael, que vive mesmo junto à estrada, e cedo se acostumou a sorrir-nos (com as suas covinhas) e a pôr o braço no ar na despedida, sendo que recentemente lhe adicionou um sonoro “Tchaueee!”.

E depois na Lu (que raramente ouço falar) e na Stefany (que conversa muito, mas numa linguagem que só ela ainda entende). As duas já sabem que no nosso colo há aviões e cadeiras de baloiço, que nos põem a comunicar na perfeição através da linguagem sonora do riso.

E no Tiago (que seria Helena se tivesse nascido menina) que já se ergue (se apoiado), e mostra os pequenos dotes de dança, enquanto Valdimira tenta trautear alguma coisa.

Na manhã de 25 adormeceu no meu colo – qual Menino Jesus – enquanto a mãe preparava uma panela de sôbô de fruta2, que lhe havíamos pedido. Olhava para ele e pensava em tantos bebés e crianças, que aqui tenho aprendido a cuidar como cuidaria do próprio Jesus, e pensava que quase dá vontade de alterar o poema e perguntar: (afinal) há quantos dias e noites vivemos nós o Natal?

Helena Tirapicos da Rosa

Porto Alegre, São Tomé e Príncipe, 2019-2020

 

1 Dobra é a moeda santomense
2 Comida típica, com peixe fumado, bastantes ervas aromáticas (que aqui se chamam folhas) e fruta-pão.