A andar pelo próprio pé

“(…) estavam prontas para sair do ninho, já eram capazes de voar sozinhas.”

Quando cheguei, há pouco mais de um ano, à missão de Porto Alegre avisaram-me que uma das vertentes mais importantes, do acompanhamento que deveria fazer aos grupos de negócios sociais[1], era manter a independência e autonomia que os grupos tinham desenvolvido ao longo do tempo. A princípio é um pouco difícil. Tanto elas, as “senhoras do sabão” e as “senhoras do artesanato”, vão pedindo que façamos trabalho por elas, não por não saberem mas por ser mais simples pedir ao Leigo que o faça; como para mim, que tinha vontade de fazer esse trabalho, só para ficar feito mais cedo.

Ainda com a vontade de despachar, respiro fundo e lembro da voz da gestora de projeto quando explicava como seria o meu projeto: “É muito importante não comprometer a autonomia de cada grupo.” E então respondia: “Não, Feci[2], sabes muito bem registar as vendas, já fizeste mais de mil vezes.” E Feci ria para mim, com aquele sorriso de quem estava só a ver se resultava mas que não se preocupa muito se não resultar.

Foi nestes moldes que, quando em tempo de pandemia tivemos de suspender a missão durante quase seis meses, as deixei. Confiante nelas e na autonomia que foram ganhando com os vários voluntários LD que as acompanharam. Falava com a Ina[3] pelo facebook, durante a quarentena, que me contava que tinham ido à Agripalma[4] levar uma carta a pedir óleo para poderem continuar a fabricar sabão (o óleo que usavam antes era proveniente de empreendimentos turísticos que fecharam aquando da pandemia). Fiquei mesmo contente, ufa não estraguei a autonomia do grupo!

Uns dias depois contaram-me que a Agripalma tinha doado a quantia de 185 Litros de óleo de palma para fazerem sabão e que sempre que fosse preciso se podia ir buscar mais.

Quando voltamos à missão, para nossa grande felicidade, e reuni com o grupo de sabão diziam-me que agora que eu tinha voltado já podia ser de novo a chefe a mandar no grupo. Ora, então não se esforçaram e arranjaram um taxi para levar uma carta e depois não combinaram e foram buscar os garrafões de óleo? Questionei-lhes, para que também se apercebessem que não era pouco, tinham conseguido fazer muito! Olhando umas para as outras afirmaram que não era nada de mais. Andei ainda algum tempo a meter-lhes na cabeça que tinham superado a necessidade de um Leigo, estavam prontas para sair do ninho, já eram capazes de voar sozinhas.

Hoje, perguntei a Feci quando iam distribuir os salários de Natal.

“Dia 20,” disse-me.

Avisei-a que não estaria por Malanza[5] devido à festa de S. Tomé Poderoso[6].

“Não tem problema, também conseguimos fazê-lo sozinhas, não é preciso a Teresa ir lá ver,” respondeu sorridente.

“É mesmo esse o espírito!” Gritei da varanda, espelhando o sorriso dela.

Teresa Raposo
Porto Alegre, São Tomé e Príncipe, 2019-2020

 

[1] Modelo de negócio cujo objectivo é beneficiar uma causa social, neste caso o lucro é dividido igualmente pelos membros de modo a beneficiar diretamente os seus colaboradores (mulheres das comunidades de Vila Malanza e Ponta Baleia).
[2] Tesoureira do Grupo de Produção de Sabão: Aromas do Sul sediado em Ponta Baleia
[3] Coordenadora do Grupo de Produção de Sabão
[4] Empresa de produção de óleo de palma, com fábrica a 40 minutos de Porto Alegre
[5] Vila Malanza, onde fica a casa dos Leigos na missão de Porto Alegre
[6] Dia de S. Tomé e chegada dos portugueses à ilha