Tete a Tete – Imagens de Moçambique

O P. Paulo Teia, sj é missionário em Moçambique e as suas imagens trazem-nos rostos e cenas da vida quotidiana acompanhadas por um belíssimo texto. Um modo de rezar por este povo que o Papa visitou na última semana.

Quem esteve em África, reconhece a água do Zambeze, o mergulho da vida, as cores imersas e não tingidas, a intensa terra do corpo e das margens, os reflexos dourados de um sol nunca agonizante mas sangrento de dor.

Quem esteve em África, sabe que os partos naturais das gentes não são nos lugares habituais, mas onde corre seiva e mel de cana doce.

Quem esteve em África, lê o nome dos rios nas linhas da mão, conta as horas no tempo da fermentação, hérnia de pombe fadado, velhice de feiticeira.

Quem esteve em África, leva consigo um embondeiro de memória, o odor fresco de matope impregnado, o peso dos andares levado à cabeça.

Quem esteve em África, escutou o choro da hiena ecoando na noite, o silêncio febril da malária, tremuras do tímpano ao coração, vertigem de fauna, flora queimada.

Quem esteve em África, viu muitas vezes a morte, tantas quanto a vida. Celebrou a ascensão e a descida aos Infernos, comeu os pães ázimos do horror, bebeu do cálice da beleza sofrida.

Quem esteve em África, viu seu corpo de fora para dentro, sexo e alma, sangue derramado em memória de muitos. E as crianças, essas passam, de tantas e tão poucas… o peso de um saco de milho, balde de vinte litros, água entornada.

Quem esteve em África, viu muitas vezes a morte, tantas quanto a vida. Celebrou a ascensão e a descida aos Infernos, comeu os pães ázimos do horror, bebeu do cálice da beleza sofrida.

Quem esteve em África soube esperar as distâncias, correr sem cansar, estender a mão até que chova. E se alguém te olhou nos olhos foi para te implorar o que lhe devias. Ganância e mentira democrática.

Quem esteve em África, dançou ao ritmo dos tambores e dos corações, bebeu aguardente seca e lágrimas destiladas, assoou saliva e ranho chorado.

E se não estiveste em África, é porque ainda não nasceste, apenas conheceste o mundo que te deram, frasco de clorofórmio inerte, verdade mentida.

Esperarás o momento em que ela te visitar, águas do Zambeze caídas em aguaceiro, um vento de savana com coice de gazela, uma névoa de poeira com sabor a humanidade.

Quem esteve em África, ontem ou amanhã, não pode deixar de ser… o que lá encontrou.

Texto e fotografias da galeria: P. Paulo Teia, sj

 

Foto de capa: © HL Enos – Shutterstock