Foi tornado público esta segunda-feira o Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que decretou a inconstitucionalidade de alguns pontos da Lei recentemente aprovada pelo Parlamento.
O modo como o acórdão foi recebido deixaria subentender que o TC se limitou a apontar questões técnicas. No entanto, o acórdão é extenso e ainda que contraditório é menos abrangente do que algumas interpretações fazem crer. É verdade que não fica cabalmente salvaguardada a defesa da vida, mas é igualmente verdade que não é consagrado um direito a morrer e que é explicitamente assumido o dever do Estado de promover a vida. Consequentemente, o acórdão estipula que as “situações em que a antecipação da morte medicamente assistida é possível têm, por isso, de ser claras, antecipáveis e controláveis”, recusando uma indeterminação conceptual e exigindo que uma futura lei evite rampas deslizantes.
Os juízes do TC defendem que a lei estabeleça limites claros, determinando a eutanásia como prática excecional. Contudo uma tal legislação colocaria diante de todos uma possibilidade que de outro modo muitos não equacionariam. O que supostamente se tem como excecional é proposto como alternativa viável.
Estamos conscientes de que esta decisão abrirá muito provavelmente a porta a uma futura lei da Eutanásia. Seremos sempre contra essa lei e continuaremos determinados em propor um modo diferente de encarar a defesa da vida e da dignidade humanas. Contudo, parece-nos importante que partindo do acórdão haja clareza quanto aos limites a que essa lei estará sujeita para evitar que se molde um ambiente que permita a aprovação de uma lei que vá além desses limites.
Denunciaremos sempre a injustiça e o engano de uma lei que querendo supostamente regular exceções as normaliza e aceita como um caminho possível. Mas igualmente recusamos que a coberto de leituras parcelares do Acórdão do TC se procure legislar sem nenhuma cautela quanto à defesa da vida abrindo a porta à rampa deslizante que os juízes do TC querem explicitamente evitar.
Nada fará diminuir a nossa responsabilidade de promover o cuidado e a proteção da vida. Recusaremos sempre que se criem condições para quebrar os laços de solidariedade e interdependência que nos constituem como pessoas, como comunidade e como sociedade. Permanecerá sempre a obrigação de defender a vida e a dignidade de cada pessoa. A demissão do Estado não poderá ser a nossa demissão.
Nota a 19/03 – Publicámos uma caixa de perguntas que ajuda a enquadrar a decisão do TC.
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