Uma estrebaria ou uma gruta? Com ou sem manjedoura?

Mas onde é que Jesus nasceu? A resposta não é assim tão evidente… Johnny, Giovanni di Francesco, Orígenes e as figuras de presépio da Provença desfilam hoje diante de nós para responder à pergunta.

Mas onde é que Jesus nasceu? A resposta não é assim tão evidente… Johnny, Giovanni di Francesco, Orígenes e as figuras de presépio da Provença desfilam hoje diante de nós para responder à pergunta.

1. Como mel para a boca

Jesus nasceu em Belém, da Virgem Maria. Gerações de artistas sucederam-se a prestar-lhe homenagem, e um dos nossos estimados leitores descobriu uma pequena pepita: vamos ouvir Johnny Hallyday (de saudosa memória!) a interpretar Ave Maria. ♪ ♫


2. Um texto bíblico

Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida.

E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.

Evangelho segundo São Lucas 2,1-7


3. O esclarecimento

| Onde é que Jesus nasceu? |

Na tradição popular, Jesus nasceu rodeado de animais num estábulo. Mas… talvez não seja mesmo assim. Hoje propomos um pequeno inquérito aos grandes textos e à Tradição.

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As figuras de presépio da Provença (presépio contemporâneo)

| A gruta |

Embora os evangelistas não digam que Jesus nasceu numa gruta, esta tradição teve início muito cedo:

  • A primeira referência à gruta da Natividade remonta a meados do século II, nos escritos de São Justino, mártir. Este autor da Palestina, que se tornou o primeiro filósofo cristão, conhecia bem os lugares de que falava. A referência a uma gruta aparece no seu Diálogo com Trifão – um sábio judeu do seu tempo. Esta referência foi retomada por outros Padres da Igreja e, desde então, está entranhada na memória popular.
  • Esta tradição corresponde bem às condições de vida na Belém do tempo de Jesus. As escavações arqueológicas na zona revelaram sistemas de grutas que serviram de habitação durante séculos.
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Entrada da gruta e a estrela que assinala o lugar do nascimento de Jesus (Basílica da Natividade, Belém).

| Gruta e teologia |

  1. A ideia de que Jesus pode ter nascido numa gruta subterrânea tem um significado teológico. Para os Padres da Igreja, é um símbolo da encarnação: ao fazer-se homem, Deus «desceu» à profundeza das entranhas da terra.
  2. O lugar deste nascimento prefigura o final da sua vida: a luz de Deus desce agora à escuridão de uma gruta e virá a iluminar os infernos no dia da ressurreição.
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Ícone da Natividade de Cristo (final do séc. XV), Novgorod, Rússia.

Os ícones orientais da Natividade representam o menino Jesus dentro de uma gruta. O manto que envolve Jesus parece um lençol, prefigurando assim a sua morte e ressurreição.

| A manjedoura |

A palavra grega phatnê usada pelo evangelista Lucas pode ser traduzida literalmente por «manjedoura».

  • As grutas funcionavam como armazéns agrícolas e como estábulos. Assim, na gruta da Natividade poderia haver uma manjedoura para alimentar os animais que aí se abrigavam. Maria poderá ter-se refugiado num espaço destes para encontrar a intimidade necessária.
  • A manjedoura tem também um significado teológico. Ao colocar o seu bebé num objecto como este, Maria “pré-anuncia” a missão de Jesus: ser alimento para os homens.
  • E, maravilha!, Beth-Lehem em hebraico significa literalmente «Casa do pão»!

| E então o «presépio»? |

Etimologicamente, o termo «presépio» designa uma estrebaria ou estábulo. Foi esta palavra que progressivamente se impôs na linguagem corrente para designar o local da Natividade. Por que razão? Volte no próximo ano para descobrir…

Giovanni%20di%20Francesco%20(1412-1459)%2C%20Natividade%20e%20adora%C3%A7%C3%A3o%20dos%20magos%2C%20Museu%20do%20Louvre%2C%20Paris%2C%20Fran%C3%A7a.
Giovanni di Francesco (1412-1459), Natividade e adoração dos magos, Museu do Louvre, Paris, França.

4. E ainda uma palavra final…

Ao nascer humildemente numa gruta, Jesus começa o seu caminho na terra, paradoxalmente feito de esplendor e de humildade, como o diz tão bem Orígenes, um autor cristão do séc. III:

«De facto, ele foi enviado não só para ser conhecido, mas também para permanecer escondido.»

Orígenes, Contra Celso 2,67

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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