Uma esperança convertida

Advento. Esperamos o Messias que vem. Mas é necessário  converter o nosso modo de esperar. Despolui-lo da falsa pureza de lugares sem feridas ou securas.

Advento. Esperamos o Messias que vem. Mas é necessário  converter o nosso modo de esperar. Despolui-lo da falsa pureza de lugares sem feridas ou securas.

E ele percorreu toda a zona do rio Jordão, pregando um batismo de penitência para a remissão dos pecados, como está escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías: «Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Sejam alteados todos os vales e abatidos os montes e as colinas; endireitem-se os caminhos tortuosos e aplanem-se as veredas escarpadas; e toda a criatura verá a salvação de Deus’».

(Do Evangelho de São Lucas 3, 3-6)

 

Onde o esperamos?

Fugimos dos vazios. Iludimos a dureza que nos toca, o sobressalto de tempos incertos. Preferimos a passagem indolor para lugares sem inesperados. Mas é no deserto que clama a voz de Deus. E assim compreendemos que em lugares inesperados se manifesta a presença de Deus sempre maior. Maior do que as nossas expectativas que o confinam em lugares predeterminados: os templos imaculados das nossas certezas e perfeições. Maior do que o nosso olhar que o circunscreve a rostos e vidas que consideramos apropriados.

Deus esperado no Templo manifesta-se no deserto. E deixa-nos a interrogação como lanterna de um caminho a percorrer. Onde o esperamos? Estaremos dispostos à luta de deixarmos que o Senhor que vem manifeste a sua presença em lugares que consideramos inóspitos? As nossas desilusões, medos e fracassos, as nossas zangas. É dele a luz que pode trazer a graça da hospitalidade à vida como ela é. É na nossa vida que o esperamos. Não em lugares sem inesperados, imunes à esperança.

Como o esperamos?

Medimos os passos e as palavras, medimos as distâncias. Arriscamos pouco no acolhimento do outro. Sabemos à partida aquilo que as pessoas deviam ser. Temos expectativas claras sobre o que esperar de cada uma delas. Não confiamos ao outro a nossa vulnerabilidade, nem a fraqueza de um coração destemido que acolhe no outro a surpresa do desconhecido, não fazemos do outro destinatário da Palavra encarnada em Jesus porque não o consideramos digno de confiança.

Não foi ignorado o Messias pela tirania das expectativas preestabelecidas? Não desconfiaram dele os olhares dos que já sabiam tudo sobre o modo de Deus habitar entre nós?  É na confiança de dar espaço ao outro para que ele seja quem é que aprendemos a esperança que desafia e converte as nossas expectativas.

Advento. Esperamos o Messias que vem. Mas é necessário  converter o nosso modo de esperar. Despolui-lo da falsa pureza de lugares sem feridas ou securas. Libertá-lo das expectativas que estreitam o nosso olhar, que fazem minguar o horizonte do dom desbordante da salvação. Precisamos de exercitar a confiança no outro como o endireitar das veredas em que surge o entre nós que o Verbo deseja habitar.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.