“Ser ouvido e acolhido ajuda”

Sofia Marques, coordenadora do Ponto de Escuta, diz que foram atendidas mais de 100 pessoas em dois meses e que a maioria diz ter-se sentido melhor depois da conversa com um voluntário. Para já, o serviço é para manter.

Sofia Marques, coordenadora do Ponto de Escuta, diz que foram atendidas mais de 100 pessoas em dois meses e que a maioria diz ter-se sentido melhor depois da conversa com um voluntário. Para já, o serviço é para manter.

Que balanço faz do Ponto de Escuta? 
Fez há dias dois meses que lançámos o Ponto de Escuta. O lançamento foi antecedido da construção do modelo de escuta. Definimos o que se pretendia com este serviço, quais as suas potencialidades e quais os seus limites, encontrámos uma equipa de retaguarda multidisciplinar que integrou a equipa provincial do SPC (Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis da Província Portuguesa da Companhia de Jesus) e o gabinete de comunicação, angariámos e formámos voluntários, assim como convidámos jesuítas a disponibilizarem-se para apoio espiritual subsequente aos momentos de escuta. Recebemos até hoje 102 pedidos de escuta. Os contactos são maioritariamente de mulheres, de todas as idades (dos 19 aos 89 anos), de todo o país, incluindo das Ilhas, e de fora de Portugal (Brasil, Espanha, Alemanha, Costa Rica, Angola, Moçambique,…). Contamos com mais de 50 voluntários para estes momentos de escuta. Dada a sua disponibilidade, conseguimos agendar o momento de escuta para o dia imediatamente a seguir ao pedido, no horário indicado pela pessoa que nos contacta.

Que tipo de situações têm chegado ao Ponto de Escuta?
Têm chegado pessoas com problemas e dificuldades da mais variada ordem. São, na maior parte dos casos, dificuldades em relações familiares, laborais, agravados pela situação de pandemia, dada a solidão em que a pessoa se encontra e a maior dificuldade em pedir ajuda, mesmo que informal, a pessoas com quem anteriormente convivia – amigos, familiares, colegas de trabalho. Algumas pessoas já estão a ser acompanhadas por técnicos, mas veem o Ponto de Escuta como um espaço onde podem conversar, desabafar, de imediato, sem “marcação” e fila de espera.

Numa altura em que os efeitos do confinamento e o cansaço de um ano de pandemia são evidentes na saúde mental de tantos portugueses, de que forma um atendimento deste tipo pode ajudar as pessoas?
Falar ajuda. Ser ouvido e acolhido ajuda. O Ponto de Escuta pretende ser esse local seguro, onde mesmo que a pessoa se sinta numa escuridão, encontra no voluntário uma LUZ que escuta. Não é dado um apoio técnico especializado. No entanto, como dizia, várias pessoas que nos contactam já têm esse apoio técnico (psicólogos, psiquiatras) ou espiritual. Como não pretendemos substituir ou sequer adiar esses apoios técnicos, nem que a relação principal seja transferida para o voluntário, estabelecemos à partida um limite de três conversas. Muitas pessoas pedem para agendar uma segunda e até uma terceira conversa. Outras não, sentem que o momento de escuta fica completo e não manifestam vontade ou necessidade de dar continuidade à conversa iniciada.

Que feedback têm recebido, após o atendimento, das pessoas que vos contactam?
Uns dias após o momento de escuta, enviamos um pequeno questionário a quem contactou o Ponto de Escuta, perguntando apenas: como se sentiu durante a escuta e após a escuta. 91,7% sentiram-se MUITO BEM escutados/acolhidos e 8,3% BEM escutados/acolhidos. Ninguém se sentiu pouco escutado, nem sequer escutado/acolhido apenas de forma suficiente. 72,2% responderam que se sentiram MUITO BEM por terem contactado o Ponto de Escuta e 27,8% sentiram-se BEM. Nenhuma pessoa sentiu que não deveria ter contactado o Ponto de Escuta ou, sequer, que foi indiferente esse contacto.

O trabalho dos voluntários passa também por encaminhar as pessoas para serviços na comunidade (apoio psicológico e apoio espiritual, se assim o desejarem). Têm feito muitos encaminhamentos?
Como disse antes, algumas pessoas têm já os seus apoios, mas quando se percebe que quem não o tem precisa desse apoio de continuidade, o Ponto de Escuta orienta para os serviços e técnicos mais adequados à necessidade identificada. Há necessidades difíceis de apoiar, nomeadamente o emprego. Não temos recebido pedidos de apoio material. Para um apoio espiritual, também a rede de jesuítas disponíveis tem sido fundamental. Já agendámos 18 conversas com jesuítas. Já houve necessidade de fazer intervir a equipa de retaguarda em situações mais delicadas, por pedido do voluntário e com o consentimento expresso da pessoa escutada.

Este serviço conta com a colaboração de várias dezenas de voluntários que escutam as pessoas que contactam o Ponto de Escuta. Como tem sido coordenar esta equipa?
O Ponto de Escuta conta com cerca de 50 voluntários e 16 jesuítas disponíveis, em vários dias e períodos do dia. São voluntários muito fáceis de coordenar, porque estão envolvidos, muito disponíveis e com um sentido de pertença ao Ponto de Escuta que comove. Tem sido muito raro contactar um voluntário indagando se pode fazer um contacto no dia seguinte e o voluntário ter alguma indisponibilidade. A resposta “sim, claro!”, é a mais comum. Assim é mais fácil. No primeiro mês de Ponto de Escuta senti-me num estado de alerta, permanentemente à “escuta” de novos pedidos de apoio, para que a resposta fosse quase imediata. Até temi que as pessoas pensassem que estavam a receber uma resposta automática. Mas passados dois meses, a “máquina” está oleada e a segurança de que o que estamos a fazer está a ser feito com o coração de muitos, traz-me uma imensa paz. Também a equipa de retaguarda tem sido essencial para que nenhum de nós se sinta sozinho neste caminho. Estamos mesmo muito gratos pelo serviço que conseguimos montar e disponibilizar a quem precisa. Que chegue a todos os que precisam, é a nossa única ambição.

Até quando a Província disponibilizará este serviço?
Enquanto houver pessoas a precisar. Quando os pedidos começarem a diminuir e, mesmo com algum investimento em comunicação, se mantiver uma procura baixa que outros serviços permanentes consigam atender, perceberemos que é hora de repensar o Ponto de Escuta.

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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.