As pessoas tendem a vencer o medo e a arriscar quando confiamos nelas, quando não as menorizamos e as levamos a sério. O Papa Francisco acaba de dirigir aos jovens uma carta em forma de Exortação Apostólica pós-sinodal: Cristo vive (CV). Nessa carta, Francisco manifesta uma enorme confiança na juventude, sem que isso signifique qualquer condescendência. É intransigente no respeito pela liberdade pessoal de consciência, recordando a cada destinatário: “Deus respeita até ao fundo a tua liberdade” (CV 113). É também exigente na exortação que faz aos jovens para que não se resignem nem alienem a liberdade que Cristo lhes oferece: “Queridos jovens, por favor, não “vejam a vida da varanda”, entrem nela. Jesus não ficou à varanda, entrou na vida; não olhem da varanda para a vida, metam-se nela, como fez Jesus. Mas sobretudo, de uma forma ou de outra, sede lutadores pelo bem comum, sede servidores dos pobres, sede protagonistas da revolução da caridade e do serviço, capazes de resistir às patologias do individualismo consumista e superficial”. (CV 174)
“Queridos jovens, por favor, não ‘vejam a vida da varanda’, entrem nela. Jesus não ficou à varanda, entrou na vida; não olhem da varanda para a vida, metam-se nela, como fez Jesus. Mas sobretudo, de uma forma ou de outra, sede lutadores pelo bem comum, sede servidores dos pobres, sede protagonistas da revolução da caridade e do serviço, capazes de resistir às patologias do individualismo consumista e superficial”.
Mais do que um texto doutrinal, Cristo Vive começa por ser um convite à escuta. Toda a Igreja é chamada a deixar-se tocar pela multiplicidade de realidades em que vivem os jovens de todo o mundo. Foi esse mesmo processo de escuta que inspirou o Papa na escrita desta exortação: “A minha palavra estará carregada de milhares de vozes de crentes do mundo inteiro que fizeram chegar as suas opiniões ao Sínodo. Mesmo os jovens não-crentes, que quiseram participar com as suas reflexões, apresentaram questões que suscitaram em mim novas interrogações.” (CV 4)
O Papa lança um olhar especialmente atento aos ambientes digitais, à realidade dos migrantes e reforça a necessidade de terminar com todo o tipo de abusos. Francisco sublinha a necessidade de compreender os desejos e feridas dos jovens e o modo como as suas aspirações podem ser uma antecâmara de abertura a um diálogo pessoal com Jesus ressuscitado. O Papa identifica os modos distintos como esses anseios se podem manifestar: na sensibilidade artística, no contributo que se quer dar ao mundo, na procura de harmonia com a natureza ou mesmo num desejo de Deus que não tenha todos os contornos do Deus revelado (cf. CV 84). Uma Igreja fechada nas suas certezas torna-se insensível a esta realidade. Por isso, é necessário que a Igreja assuma a sua dimensão sinodal. Para o Papa Francisco, a sinodalidade é o modo de proceder próprio da Igreja. Uma comunidade a caminho, em que as responsabilidades são partilhadas, em que todos assumem o compromisso com a missão, em que os jovens nem vivem isolados do resto da comunidade, nem são destinatários passivos de uma mensagem, mas agentes pastorais comprometidos, enviados às realidades por onde passa a sua vida.
Para o Papa Francisco, a sinodalidade é o modo de proceder próprio da Igreja. Uma comunidade a caminho, em que as responsabilidades são partilhadas, em que todos assumem o compromisso com a missão, em que os jovens nem vivem isolados do resto da comunidade, nem são destinatários passivos de uma mensagem, mas agentes pastorais comprometidos, enviados às realidades por onde passa a sua vida.
Este ambiente sinodal implica que as diferentes comunidades cristãs rejeitem a tentação de se transformar em “bunkers” e “se retraiam frente aos perigos, reais ou imaginários” (CV 221). Ao mesmo tempo, é importante que tomem consciência de que a vocação laical não pode ser concebida “apenas como um serviço no interior da Igreja” (CV 168), recordando que esta é essencialmente “um compromisso concreto a partir da fé para a construção de uma sociedade nova, é viver no meio do mundo e da sociedade para evangelizar as suas diversas instâncias”. Deste modo, os jovens não podem viver “enclausurados em pequenos grupos de escolhidos” (CV 231) sendo necessário criar “espaços inclusivos, onde haja lugar para todo o tipo de jovens e onde se manifeste realmente que somos uma Igreja de portas abertas” (CV 234).
Assim se poderá dar lugar a espaços de liberdade em que os jovens podem ser convidados a viver sem medo os seus sonhos e a descobrir a sua vocação, perguntando-se não tanto “quem sou eu” mas antes “para quem sou eu” (CV 286). Em que se experimente a certeza de que Deus ama cada pessoa, que Cristo salva e convida cada um a não ser uma fotocópia de outros, nem mesmo dos santos, mas a levar a sério a sua unicidade e liberdade: “Recordo-te, porém, que não serás santo nem completo copiando outros. Nem sequer imitar os santos significa copiar a sua maneira de ser e de viver a santidade.” (CV 186).
Na Igreja, não pode haver lugar para a manipulação de consciências. Deste modo, Francisco volta a sublinhar o respeito pelo primado da consciência sem o qual o seguimento e o compromisso verdadeiros com Cristo não seriam livres.
Desta forma, quem acompanha os jovens não pode recear apontar-lhes a grandeza do horizonte proposto por Deus, manifestando-se atento à pessoa, ao discernimento que se dá no seu interior e manifestando-se sensível aos impulsos que a orientam para a frente. Ao mesmo tempo que aponta a grandeza do horizonte, quem escuta o outro tem que estar consciente de que “em determinado momento tem de desaparecer para deixar que ele siga esse caminho que descobriu.” (CV 296). Na Igreja, não pode haver lugar para a manipulação de consciências. Deste modo, Francisco volta a sublinhar o respeito pelo primado da consciência sem o qual o seguimento e o compromisso verdadeiros com Cristo não seriam livres.
Ao escolher o caminho que Deus lhes propõe, cada jovem é convidado a partilhar este caminho com outros: “Se caminharmos juntos, jovens e anciãos, poderemos estar bem enraízados no presente e, a partir daqui, frequentar o passado e o futuro: frequentar o passado, para aprender com a história e para sarar as feridas que por vezes nos condicionam; frequentar o futuro, para alimentar o entusiasmo, fazer germinar sonhos, suscitar profecias, fazer florescer esperanças.” (CV 199)
Ao dirigir-se aos jovens e a todo o povo de Deus, o Papa Francisco convida a Igreja a não ter medo da abertura, do diálogo com a pluralidade dentro e fora de si própria, propondo como horizonte da liberdade, a liberdade do próprio Cristo que nos liberta do medo de sonhar.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.