Por que é que os grandes países de acolhimento deveriam ser incentivados a assumir a responsabilidade da União Europeia (UE) pela proteção dos refugiados, quando a própria UE se recusa a defender o direito de asilo no seu território?
É assim que termina o Joint Statement assinado por 95 ONG a 9 de julho de 2024. Essa é a pergunta que fica ao ler-se o comunicado que pede à nova liderança da UE que proteja o direito ao asilo, cessando as práticas do seu outsourcing em países terceiros.
Quando o primeiro caso de outsourcing do asilo chegou ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em 2012, a resposta foi clara: um Estado Membro (EM) não pode fugir às responsabilidades internacionais invocando obrigações decorrentes de acordos com países terceiros. Reconhecendo que a única forma eficaz de pedir asilo na UE é em solo europeu, a viabilidade jurídica e prática do outsourcing é quase nula. Em 2018, a UE reiterou que o outsourcing do asilo é uma clara violação do direito da União Europeia e Internacional: como poderá a UE dizer que o direito ao asilo está assegurado em países terceiros, se o processo está fora do âmbito legislativo europeu e do escrutínio democrático que lhe é devido?
Contudo, hoje, não só vemos mais acordos a nascer entre EM e países terceiros, como estes acordos são apoiados pela UE, com fundos europeus. Assim, cumpre explicar por que razão o outsourcing do asilo não é viável, tirando lições de outros países que já o usam há bastante tempo, como a Austrália, Espanha e Estados Unidos.
Em primeiro lugar, falta de certeza legal. Qual o enquadramento jurídico? São campos de detenção ou campos de acolhimento de migrantes? Por quanto tempo são obrigados a permanecer nestes campos? Como podem contestar qualquer decisão sobre o seu caso? Qual o papel das agências europeias no escrutínio destes acordos?
Segundo, a falta de mecanismos de reinstalação. Não é suficiente celebrar acordos de externalização do asilo países terceiros, sem estabelecer mecanismos de reinstalação para os EM. Sendo o objetivo do outsourcing do asilo iniciar o processo num país terceiro, o objetivo final é terminá-lo num EM. Como vemos com o acordo UE-Turquia, os mecanismos de reinstalação não funcionam. Enquanto não existir um sistema asilo forte e comum a toda a UE, com vias migratórias legais e seguras que complementem a reinstalação, esta nunca irá funcionar – e, por isso, o outsourcing do asilo também não.
Terceiro: o custo. O Memorando de Entendimento Itália-Líbia até hoje custou à UE 42 milhões de euros; o Acordo UE-Egipto, vai custar à UE (entenda-se a todos os europeus), 7.4 mil milhões de euros, dos quais 200 milhões são destinados a questões migratórias. Países onde a tortura e o tratamento cruel e degradante são sistematicamente usados contra migrantes ou onde a pena de morte é permitida – e onde nada disto é segredo. Para além do custo elevado, estes acordos deixam a UE nas mãos destes Estados que instrumentalizam as pessoas migrantes como arma de negociação com a UE, como aconteceu com a Turquia.
Só se pode concluir pela ineficácia do outsourcing do asilo. Embora a retórica política seja recorrente atualmente, é sempre incompleta. A verdade é que, até se criarem e reforçarem as vias migratórias legais e seguras para se chegar à UE – como o visto humanitário – o número de chegadas irregulares irá sempre ser uma realidade, por muitos acordos que a UE faça ou por muitos milhões que atire para cima do problema.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.