1. Como mel para a boca
O título Ultra Violet (Light My Way) dos U2 dirige-se a uma mulher, mas retoma a temática do livro de Job, no qual se inspira: um homem na escuridão que se recorda dos dias luminosos de outrora. De qualquer modo, com Bono estamos sempre bem servidos!
2. Um texto bíblico
No início do livro de Job, Deus autoriza Satanás a pô-lo à prova. Não surpreende que Job se encontre numa situação difícil… é então que ele entoa o seu lamento. Não é necessariamente fácil de ler…
Deus entregou-me aos ímpios
e deixou-me à disposição dos malvados.
Eu era feliz e Ele arruinou-me,
agarrou-me pela nuca e fez-me em pedaços,
tomou-me como seu alvo.
Disparou as suas setas contra mim,
atravessou os meus rins sem piedade
e espalhou o meu fel sobre a terra.
Despedaça-me com feridas sobre feridas,
atira-se sobre mim como um guerreiro.
Cosi um saco sobre a minha pele,
mergulhei a minha fronte no pó.
O meu rosto está inchado de tanto chorar,
e a escuridão cobriu as minhas pálpebras,
embora não haja violência nas minhas mãos,
e a minha oração seja pura.
Ó terra, não ocultes o meu sangue,
nem sufoques os meus clamores.
Job 16, 11-18
3. O esclarecimento
O livro de Job é um livro difícil de ler. Vemos nele um homem imensamente rico, muito piedoso, fiel a Deus, pai de uma grande e bela família perder todos os seus bens, cada um dos seus filhos e até a própria saúde, a ponto de raspar as suas chagas com um caco de barro. Não se deseja esta desgraça a ninguém.
Job acaba por apresentar um processo contra Deus e acusa-O do sofrimento que experimenta. Job testemunha, no coração da Escritura, a importância do mal na vida humana. Ele tenta responsabilizar Deus por este mal. Esta atitude, que é em geral a primeira reação daqueles que sofrem, resulta de uma situação teologicamente muito profunda.
| Politaísmo vs. Monoteísmo |
No Próximo Oriente antigo, o monoteísmo não é maioritário: o contexto é maioritariamente politeísta. A experiência do mal parece sempre fácil de resolver: quando tudo corre mal, dirigimo-nos a um deus particular para que ele retire esse mal. Ou então, se se crê em demónios, recorre-se à magia e à superstição para submeter os poderes maléficos que nos atacam.
Mas quando temos fé num só Deus, a quem nos devemos dirigir?
Quem podemos responsabilizar por esta situação?
Job acredita, tem fé, pois continua a dirigir-se a Deus, apesar de resmungar contra Ele. Mas Job encerra em si todas as questões da humanidade, todo o seu mal-estar, toda a sua cólera diante deste mistério do mal.
Um dos seus amigos chega mesmo a acusá-lo de blasfémia, tal é a violência da crítica contra Deus. E, de facto, Job chegará mesmo a exigir a Deus uma resposta: «que o Omnipotente me responda!» (Jb 31,35). E Deus acabará por lhe responder, com força, humor e ternura…
Deixamo-vos descobrir: este livro, uma verdadeira obra-prima bíblica, vale mesmo a pena ser lido…
4. E ainda uma palavra final…
«O livro inteiro [de Job] é um combate ininterrupto entre os ‘gritos’ do muito-afligido Job e as ‘reflexões’ dos seus amigos racionais […]: “Mas eu vou falar com o Todo-Poderoso, e desejo discutir com Deus.” (Jb 13,3). Os amigos estão horrorizados com as palavras de Job: estão convencidos de que não é possível falar com Deus, e de que o Todo-Poderoso está preocupado com a firmeza do seu poder e a imutabilidade das suas leis, mas não com o destino das pessoas por Ele criadas. Talvez eles estejam convencidos de que, em geral, Deus não tem problemas e que não faz mais do que reinar.»
Lev Shestov, “Especulação e apocalipse” (1927)
em Léon Chestov, Spéculation et révélation, L’Âge d’Homme, 1981
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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