É irlandês, mas vive há mais de 35 anos nas Filipinas, onde acompanha comunidades fortemente fustigadas por inundações e outros fenómenos climáticos extremos. Formado em hidrologia, o sacerdote é também coordenador da plataforma Ecojesuit, a rede dos jesuítas ligada à ecologia e ao desenvolvimento sustentável. Numa recente visita a Portugal, deu uma entrevista ao Ponto SJ, onde sublinhou a necessidade de se olhar para os problemas ambientais do ponto de vista da justiça social. “O choro da terra é o choro dos mais pobres”, disse.
Está à frente da Ecojesuit. Pode explicar um pouco melhor o objetivo desta plataforma?
A rede Ecojesuit pretende ser um ponto de ligação entre vários trabalhos desenvolvidos no âmbito da ecologia e do meio ambiente, de forma a podermos aprender e colaborar uns com os outros. O Papa Francisco pede-nos que nos comprometamos com os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. É importante questionar: São metas demasiado exigentes para os governos? Em que ponto estamos? Temos de partilhar esforços para ir resolvendo problemas. Sinto que hoje muitos jovens estão envolvidos na preservação ambiental, questionando-se sobre o que é preciso fazer para encontrar novos caminhos.
Participa em inúmeros fóruns internacionais sobre ecologia, em que refere a necessidade de agirmos em conjunto para salvar o planeta. É essa a sua principal preocupação?
Sim. A ecologia é uma área de saber. Habitualmente abordo o tema de forma global, associando-o à água. Sabemos que 90% da vida é composta por três elementos principais: hidrogénio, oxigénio e carbono. Nesse sentido, não é surpreendente que os principais problemas do mundo estejam precisamente ligados à água e ao carbono – temos desrespeitado completamente o equilíbrio de ambos. Espanta-nos que o mundo esteja um desastre? Qualquer miúdo da escola compreende isto, mas parece que os adultos não querem ouvir. Não ouvem a criação, apenas o mercado.
A encíclica Laudato si (Louvado Sejas), que o Papa Francisco lançou em 2015, aborda a temática ambiental e a necessidade de cuidar da casa comum. Como vê este documento?
Foi um marco para todos os que trabalham na área. A questão ambiental é tão simples que o mundo não a compreende. A Laudato Si é um momento belo, uma lufada de ar fresco na Igreja. Começa por abordar a gratidão pela criação e alerta para um conjunto de problemas que não conseguiremos resolver de repente, mas que, com esperança, poderemos minimizar. Como poderemos reconciliar-nos com a maneira como vivemos?
O que significa hoje ser amado por Deus? Significa que cometemos erros, mas que podemos sempre recomeçar, uma e outra vez. Esta humanidade é muito diferente daquela que a vida moderna ensina e que los leva a consumir coisas e pessoas.
Há um antes e depois da Laudato si?
É uma encíclica que trouxe esperança. Não é um documento sobre religião. É um documento sobre a vida. O Papa Francisco fala sobre a vida. Temos tornado a religião numa instituição – em muitos casos numa luta –, mas o que precisamos mesmo de fazer é entender a comunidade. A fé baseia-se na comunidade. Não se baseia apenas em homens que usam barretes vermelhos e vestes com renda – isso também tem de existir; precisamos dessa estrutura. O que significa hoje ser amado por Deus? Significa que cometemos erros, mas que podemos sempre recomeçar, uma e outra vez. Esta humanidade é muito diferente daquela que a vida moderna ensina e que los leva a consumir coisas e pessoas.
Como é que a fé nos impele a preservar o mundo em que vivemos?
Quando experimentamos o amor de Deus, é natural que queiramos cuidar da terra. A fé é muito simples. Agora se olharmos para o problema ambiental do ponto de vista ético, sentimos necessidade de justificar cada passo que damos. Um dos principais desafios que enfrentamos hoje tem a ver com a confiança.
A falta de confiança influencia o cuidado pela casa comum?
A falta de confiança afeta tudo. Cria insegurança e tem impacto na identidade e no sentido de pertença. Na escola onde trabalho, produzimos 50% da nossa alimentação para que as crianças tenham uma relação com a terra.
Nas Filipinas, os fenómenos climáticos extremos manifestam-se sobretudo em inundações. O problema é encontrar terra onde as pessoas possam estar seguras em áreas sem inundações. Para ajudar as pessoas a serem menos vulneráveis a inundações, tempestades e secas, é preciso perceber a sociedade.
É irlandês, mas vive há mais de 35 anos nas Filipinas, um país severamente afetado pelas alterações climáticas. Tendo em conta que tem formação na área da hidrologia, pode descrever um pouco o que faz?
Nas Filipinas, os fenómenos climáticos extremos manifestam-se sobretudo em inundações. Faço mapeamento deste tipo de fenómenos desde 1991, converso com as comunidades e o governo local, procurando novas soluções para a construção de barreiras. Muitas vezes, o problema é encontrar terra onde as pessoas possam estar seguras em áreas sem inundações. Para ajudar as pessoas a serem menos vulneráveis a inundações, tempestades e secas, é preciso perceber a sociedade. Este ano estamos a passar por uma seca. O El Niño [fenómeno caracterizado pelo aumento da temperatura do Oceano Pacífico] está a formar-se e afeta, entre outros, a vida dos peixes, os seus meios de subsistência. O choro da terra é o choro dos mais pobres. Tendemos a separar cientificamente estes dois campos, mas temos de juntá-los e reconhecer que o que está em causa é o mesmo. Temos de trabalhar juntos. Fomos nós que destruímos a relação com a terra e somos nós que temos de reatá-la. Não se trata de encontrar um culpado – a questão não se deve por assim. Sim, há muitas coisas erradas, mas o melhor é olhar para o que fazemos bem, tentando influenciar os outros à nossa volta. Quero mudar ou não?
Dizia há pouco que tem muita esperança nos jovens.
A minha geração é muito teimosa, complacente e incapaz de agir. Temos uma nova geração incrível que está disposta a ir mais longe. Para onde queremos caminhar enquanto espécie, enquanto humanidade? Para onde queremos ir? Nas Filipinas, quer esteja nas montanhas, com os indígenas, quer esteja em Manila, com universitários, vejo que os jovens se interrogam sobre estes problemas. Percebem, por exemplo, que a indústria alimentar está a pôr a segurança dos agricultores em causa. Reparam na sujidade das cidades – veem que o ar que respiramos nos está a matar.
É a economia que dita as desigualdades?
Sabemos que os ricos estão cada vez mais ricos e que os pobres estão cada vez mais pobres – e isso não é bom para a sociedade. Pensemos na Síria, por exemplo. Antes de os conflitos terem começado, houve uma seca de 7 anos que retirou as pessoas da terra, mas quando pensamos nos problemas do país concentramo-nos apenas na política. Não temos respeitado a Terra. Temos de respeitar as nossas relações e perceber o que de facto importa. Estamos demasiado orientados para objetivos. Em vez disso, temos de descobrir quem somos. Se acordamos cansados, com a mente ocupada com coisas para fazer, não somos bons para ninguém.
Pode explicar melhor?
Sim, se entro num ritmo de vida frenético, até posso ser bom para uma linha de produção, mas não sou bom para ninguém. Agora, se amar a vida, vivo agradecido, fazendo o trabalho de cada dia e ouvindo realmente os outros. É este o enquadramento da justiça.
Fotografias: Ana Catarina André
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.