“Perseguidos e Esquecidos?” é um relatório produzido a nível internacional de dois em dois anos pela Fundação AIS (Ajuda à Igreja que sofre). Tem como objetivo analisar as violações da liberdade religiosa contra os cristãos em alguns dos países onde há descrições persistentes de abusos de direitos humanos. O relatório foi agora concluído. O resultado é inquietante… Em 75% dos 24 países analisados – onde foram encontradas provas de graves violações à liberdade religiosa – os fiéis sofreram um aumento da opressão ou perseguição nos últimos dois anos. Isso significa que em África, na Ásia e no Médio Oriente a situação dos Cristãos piorou. O que podemos ler no relatório é inquietante e incomoda. Podemos não fazer nada face a esta realidade. Podemos encolher os ombros, assobiar para o ar, podemos fingir que desconhecemos, mas é preciso ter consciência de que há milhões de pessoas que pedem, que imploram pela nossa ajuda e não temos o direito de ignorar os seus gritos. O nosso silêncio será sempre incompreensível.
“Possível genocídio”
Em África, a situação dos cristãos piorou em todos os países sob pesquisa, com provas de um grande aumento de violência genocida por parte de grupos militantes, incluindo jihadistas. No Médio Oriente, é a própria sobrevivência das comunidades cristãs no Iraque, na Síria e na Palestina que está em causa. Na Ásia, o autoritarismo do Estado tem sido o fator crítico na opressão contra os cristãos em países como a Birmânia (Mianmar), China e Vietname e entre outros. Da pior forma, a liberdade de consciência e de religião continua a ser estrangulada na Coreia do Norte. Mas a perseguição aos cristãos é também um assunto inquietante em países como o Afeganistão, Índia ou Paquistão.
“A opressão aumentou”
No período em análise, de outubro de 2020 a setembro deste ano, assistiu-se nos 24 países em observação ao agravamento da perseguição aos cristãos. O nacionalismo religioso e o autoritarismo intensificaram problemas para os fiéis. Isso foi visível no Afeganistão onde, com o regresso dos Talibãs ao poder, houve uma desesperada tentativa de fuga do país não só dos cristãos, mas também de elementos de outras minorias religiosas. Mais grave, pela dimensão da comunidade cristã, é o que se passa na Coreia do Norte, China, Índia e Birmânia. Aí, constata o relatório da Fundação AIS, “a opressão aos cristãos aumentou”. Particularmente preocupante é a situação em África, “onde o extremismo ameaça comunidades cristãs outrora fortes”. A violência que se tem registado permite falar já em “possível genocídio”. Um dos países em análise é Moçambique, onde ataques sistemáticos por parte de grupos terroristas islâmicos que reivindicam a sua ligação ao Daesh levaram já ao deslocamento de mais de 800 mil pessoas e à morte de mais de 4 mil. Particularmente grave é o que se passa na Nigéria. O relatório da Fundação AIS refere que o número de ataques aumentou acentuadamente nos dois anos em análise, havendo mais de 7.600 cristãos mortos.
“As balas enchiam o ar…”
O relatório da Fundação AIS apresenta o testemunho do P. Andrew Abayomi, que estava a celebrar uma missa no domingo de Pentecostes, a 5 de junho deste ano, quando a igreja foi palco de um violento ataque, na Nigéria. Foram momentos de pânico que dificilmente irá esquecer. “Enquanto as balas enchiam o ar, eu só pensava em como salvar os meus paroquianos. Alguns conseguiram trancar a porta de entrada e eu chamei as pessoas para entrarem na sacristia. Dentro da sacristia, eu não conseguia mexer-me: as crianças rodeavam-me e os adultos agarravam-se a mim. Eu protegi-os assim, como uma galinha protege os seus pintainhos”, descreve o sacerdote. Houve tiros, explosões durante cerca de 25 minutos. Só quando os terroristas abandonaram a igreja foi possível compreender o que tinha acontecido. Foi um verdadeiro massacre. Houve, pelo menos, 40 mortos e largas dezenas de feridos. Eram todos cristãos.
“Ninguém se importa…”
Diz o P. Abayomi que o mundo está a ser, de alguma forma, cúmplice destes terroristas. “O mundo afastou-se da Nigéria. Está a acontecer um genocídio, mas ninguém se importa”, diz o sacerdote. E esta é uma realidade que ocorre em muitos países. Não apenas na Nigéria. “Não são apenas os cristãos da Nigéria que sofrem, mas os do Paquistão, da China, da Índia e de muitos outros lugares”, acrescenta o sacerdote. “Os cristãos são assassinados por toda a África, as suas igrejas atacadas e as suas aldeias arrasadas. No Paquistão, são detidos injustamente sob falsas acusações de blasfémia. Meninas cristãs são raptadas, violadas e forçadas à conversão e a casar-se com homens de meia-idade, em países como o Egipto, Moçambique e Paquistão. Na China e Coreia do Norte, governos totalitários oprimem os fiéis, controlando cada um dos seus passos. E, como este relatório demonstra, a lista de abusos continua…”
Defender os cristãos
E será sempre assim se o mundo não se indignar, se as autoridades continuarem de braços cruzados, se ninguém erguer a sua voz em defesa dos cristãos. O Relatório “Perseguidos e esquecidos?”, da Fundação AIS, denuncia os ataques, a violência, o abuso de direitos humanos contra as comunidades cristãs. Como escreve o P. Andrew Abayomi, esta Igreja que sofre “precisa de pessoas que lhe dêem voz”. “Para que terminem as matanças, mais organizações como a Fundação AIS precisam de denunciar a verdade do que está a acontecer aos cristãos em todo o mundo. De outra forma, seremos sempre perseguidos e esquecidos.” O repto está lançado. Agora é a nossa vez de agir. Ou de sermos cúmplices…
Fotografia: Na redweek, alguns dos monumentos mais emblemáticos de Portugal revestem-se de cores vermelhas para relembrar o sangue derramado pelos cristãos perseguidos em todo o mundo
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.