1. Como mel para a boca
Kanye West, lenda do rap americano, dá um murro na mesa com uma música com um ritmo militar chamada Jesus walks:
«Dizem que podemos fazer música rap sobre qualquer tema, exceto Jesus.
Isso significa armas, sexo, mentiras e cassetes de vídeo.
Mas se falo sobre Deus o meu CD não tocará; é isso?
Paciência se o meu CD não passar muito na rádio, mesmo que isso signifique menos dinheiro no final do mês.
Ainda assim, espero que sirva para lavar os meus pecados.»
Parecendo ter plagiado literalmente o rapper americano, o novo arcebispo de Paris declarou na sua primeira entrevista ao jornal Le Monde:
«Hoje o tabu já não é o sexo, mas Deus.»
No PRIXM não existem tabus: caminhamos ao lado de Kanye West e falamos de Jesus.
2. Um texto bíblico
Depois de ter sido preso e interrogado pelos sumos-sacerdotes, Jesus é conduzido à presença do governador romano.
«Jesus foi conduzido à presença do governador, que lhe perguntou:
– Tu és o Rei dos Judeus?
Jesus respondeu:
-Tu o dizes.
Mas, ao ser acusado pelos sumos sacerdotes e anciãos, nada respondeu.
Pilatos disse-lhe, então:
-Não ouves tudo o que dizem contra ti?
Mas Ele não respondeu coisa alguma, de modo que o governador estava muito admirado.
Ora, por ocasião da festa, o governador costumava conceder a liberdade a um prisioneiro, à escolha do povo. Nessa altura havia um preso afamado, chamado Barrabás. Pilatos perguntou ao povo, que se encontrava reunido:
-Qual quereis que vos solte: Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?
(…) Mas os sumos sacerdotes e os anciãos persuadiram a multidão a pedir Barrabás e exigir a morte de Jesus. (…) Pilatos disse-lhes:
-Que hei-de fazer, então, de Jesus chamado Cristo?
Todos responderam:
-Seja crucificado!
Pilatos insistiu:
-Que mal fez Ele?
Mas eles cada vez gritavam mais:
-Seja crucificado!»
Mateus 27, 11-23
3. O esclarecimento
Hoje, o esclarecimento é feito através desta obra-prima de Tintoretto. Dedique algum do seu tempo a contemplá-la… O pintor cristaliza um momento de oscilação total e de tensões, de modo a transportar para além da narrativa os espectadores do seu quadro.
Existe em primeiro lugar este enquadramento pesado e avassalador. Além de ser um exercício de estilo para o pintor, ele parece abafar toda a esperança:
- As arcadas erguem-se perante Cristo como um muro intransponível;
- A multidão de soldados que se amontoa está agitada: percebemos a sua violência pelos movimentos bruscos e dispersos. Se escutarmos com atenção, quase conseguimos ouvir o barulho daquela multidão odiosa. Os corpos estão agitados, sinuosos; inclinam-se para ouvir, empurram-se para ver;
- Os olhares cruzam-se, evitam-se e especialmente Pilatos desvia os seus olhos de Jesus..
O elemento central da composição é o cântaro de água que permite a Pilatos “lavar as suas mãos” daquela acusação. Através do seu olhar fugidio, ele recusa assumir a responsabilidade de tal execução. No entanto, esta responsabilidade é sua enquanto governador e detentor de toda a autoridade política local. Se o espectador olhar para o quadro um pouco mais de baixo, Pilatos parece procurar o seu olhar, como para lhe perguntar: o que fazer com este Homem vestido de branco que se encontra no meio de nós?
O único em pé é Jesus, que ergue o seu longo manto branco que capta a luz. Ele sobressai do resto da cena pela determinação e serenidade que irradia. Ele é verdadeiramente o Emanuel, Deus connosco!
Mas ele está também com os pés e o torso nus e com as mãos amarradas cruzadas sobre o ventre: mantém-se profundamente humano, vulnerável e despojado. Cristo expõe o seu abandono aos olhos de todos. A brancura da pureza das vestes que o cobrem será em breve manchada de sangue
E ninguém vê a figura iluminada do Justo.
4. E ainda uma palavra final…
Boécio, filósofo romano do século VI, foi também ele um “justo perseguido”, vítima de um poder político injusto. A sua atitude perante a perseguição é admirável, mas a de Jesus é verdadeiramente divina: em vez de “desprezar” o exército de facínoras, apressa-se a oferecer-lhes perdão!
«Não deves surpreender-te quando neste oceano que é a vida somos perturbados e maltratados por muitas tempestades, principalmente se desejamos afastarmo-nos dos facínoras. O seu número, embora grande, deve ser no entanto desprezado, pois eles não têm guia algum que os dirija e ficam na ignorância, que os deixa aos caprichos do destino.»
Boécio, A Consolação da Filosofia, Livro 1,6
Traduzido do latim por Colette Lazam, Paris: Rivages,1989
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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