Jesuítas apostam na prevenção e promoção do “bom trato” de menores e adultos vulneráveis

Sistema de Proteção e Cuidado promove e reforça boas práticas e corrige aquelas que sejam inapropriadas. A ser implementado nas 30 instituições pertencentes ou ligadas aos jesuítas que lidam com menores e adultos vulneráveis.

Sistema de Proteção e Cuidado promove e reforça boas práticas e corrige aquelas que sejam inapropriadas. A ser implementado nas 30 instituições pertencentes ou ligadas aos jesuítas que lidam com menores e adultos vulneráveis.

O Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis (SPC) acaba de ser implementado nas obras da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, depois de um ano de reflexão, elaboração e formação de colaboradores e voluntários. O P. Filipe Martins sj é o delegado nacional deste sistema que aposta na prevenção mas tem também um sistema de tratamento de denúncias e suspeitas que possam surgir. Pode ser consultado no site dos jesuítas em http://www.jesuitas.pt/spc

Porque foi criado o Sistema de Proteção e Cuidado (SPC)?

Como é sabido, a questão dos abusos sexuais, que durante decénios aconteceram quase impunemente na Igreja de muitos países e tendo por vítimas sobretudo menores, tem sido uma das principais preocupações do Papa Francisco, em continuidade com os passos já dados pelo Papa Bento XVI. O Papa tem chamado com insistência à criação de uma “cultura do cuidado”, promovendo formação (não só sobre os abusos sexuais mas sobre todos os tipos de maus tratos, sejam eles físicos, emocionais ou negligência), reforçando boas práticas de bom trato, e estabelecendo medidas para evitar que novos abusos aconteçam e que suspeitas e denúncias não sejam cabalmente investigadas. É seguindo esta mesma linha que o Padre Geral dos Jesuítas tem pedido às diversas “Províncias” jesuítas estabelecidas pelo mundo que criem “sistemas” para a implementação efetiva deste cuidado. E esta é a origem do Sistema SPC em Portugal, desenvolvido durante o ano 2017/18 por indicação do Provincial (Superior) dos jesuítas portugueses.

A Igreja tem sido abalada por inúmeros casos de abusos sexuais e o Papa tem pedido transparência e denúncia de mais casos, para que seja reposta a justiça e também reconquistada a confiança na Igreja. O SPC é uma resposta a este apelo?

Claramente. É importante que colaboradores e voluntários sejam formados numa “cultura do bom trato”, que não só evita todo o tipo de maus tratos nas nossas instituições, como os capacita a sinalizar outros contextos em que eles acontecem (p.e. nas famílias dos menores ou dos adultos vulneráveis). É importante também que seja claro para todos que os maus tratos não são tolerados, e que qualquer suspeita ou queixa será convenientemente tratada segundo procedimentos claros e conhecidos, nomeadamente o recurso às autoridades sempre que haja a possibilidade de crime. O Sistema SPC promoverá também uma avaliação anual com todos os seus agentes, de forma a que possa ir sendo “afinado” e melhorado.

Mais do que condenar e punir, este manual pretende identificar riscos e minimizá-los. Como?

O Sistema SPC está a ser aplicado nas 30 instituições pertencentes ou ligadas aos jesuítas portugueses que trabalham com menores e/ou adultos vulneráveis (colégios, campos de férias, centros de ação social, grupos de voluntariado, etc.). Cada uma das instituições teve que “mapear” um conjunto de situações de risco vistas como mais graves e/ou mais prováveis, adotando em seguida medidas para as eliminar ou pelo menos reduzir a sua possível incidência. Ao mesmo tempo, a intenção é que se possa retirar de qualquer “incidente”, depois de devidamente tratado e resolvido, as aprendizagens e medidas capazes de garantir (ou pelo menos diminuir a possibilidade) que outros do mesmo género nãovoltem a acontecer.

O SPC prevê uma série de comportamentos “a evitar” e outros são mesmo “proibidos”. Quer dar exemplos?

Antes disso, o SPC prevê também um conjunto de comportamentos “a promover”, que são todos aqueles que promovem o “bom trato”: o respeito por todos sem exceção, as relações abertas e saudáveis, a capacitação e o sentido de responsabilidade, etc. O código de conduta do SPC prevê depois um conjunto de comportamentos que “em princípio” são a”a evitar”, seja por serem inapropriados em determinados contextos (p.e. dormir junto dos menores, exceto nos casos em que faça sentido, p.e. nos acampamentos), seja porque podem gerar ambiguidades ou situações de menor clareza (p.e. no uso de linguagem ou gestos que possam parecer discriminadores, ofensivos, etc.). Quanto aos comportamentos que sejam “totalmente inapropriados” ou configuram situações de crime (p.e. uso de substâncias ilegais, comportamentos perigosos ou agressivos, etc.), estão totalmente proibidos pelo SPC.

Ao restringir o contacto afetivo entre os MAV e os colaboradores, de que forma é que isto não condiciona a própria relação entre colaborador e utente?

A pergunta tem um equívoco fundamental. Pois o que se pretende é restringir o contacto afectivo inapropriado. Quanto ao contacto afectivo que é apropriado, que sem ambiguidades ajuda na relação, no cuidado e no desenvolvimento dos menores ou pessoas vulneráveis em causa, é claramente para manter e para potenciar, já que é uma das dimensões fundamentais das relações saudáveis e do cuidado. Essa tem sido aliás uma das perguntas que mais nos tem sido feita, e cuja resposta tem ajudado todos a entender que o Sistema SPC não pretende “limitar” o afeto sem mais, mas tão só ajudar a “clarificar” quais os (muitos) contextos em que faz sentido.

 

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Formação de colaboradores e voluntários abrangeu cerca de 900 pessoas nas várias obras.

Como foi implementado nas 30 obras jesuíticas e inacianas?

O Manual SPC, que está online e pode ser descarregado em www.jesuitas.pt/spc, foi construído ao longo de 6 meses por uma equipa multidisciplinar de 10 pessoas, entre Outubro 2017 e Abril 2018. O Manual ainda foi melhorado ao longo do mês de Maio 2018com aportações chegadas das 30 obras. E nos meses de Junho e Julho 2018 foi dada formação a quase mil colaboradores e voluntários dessas 30 instituições, ao longo de 13 sessões de formação de meio-dia que foram acontecendo de Norte a Sul do país. Cada instituição nomeou também um Delegado SPC, pessoa de referência que se encarrega de divulgar convenientemente a existência do SPC na instituição, que recebe e acompanha suspeitas e denúncias, e que se encarrega ainda de garantir que todos os novos colaboradores e voluntários são incorporados ao Sistema. Os Delegados SPC estão em contacto entre si e com o Delegado Nacional, estando ainda previsto um encontro anual de delegados para acompanhamento e melhoria do SPC, assim como para o desenho de novas formações para os colaboradores e voluntários que se vejam úteis/necessárias.

Como foi acolhido o SPC nas obras, por parte dos seus colaboradores?

O acolhimento ao SPC foi muito bom. Porque, contrariamente ao que as pessoas poderiam esperar, o SPC não é um conjunto de normas restritivas, mas antes um sistema completo que pretender formar para e promover o bom trato nas instituições (detetando também quando tal não acontece). As avaliações foram muito positivas, e colaboradores e voluntários referiram não só que este tema é importante (até porque, muitas vezes, os maus tratos podem acontecer de forma inadvertida), como pediram mais formação sobre o tema, nomeadamente sobre algumas partes do sistema (p.e. sobre o Código de Conduta e avisão subjacente de “cuidado” e “desenvolvimento” que promove).

E nas obras, por parte dos seus utentes diretos e indiretos (alunos, famílias, universitários, idosos, etc?) como foi acolhido?

Uma vez que o Sistema está agora a ser acabado de implementar, as reações por parte dos utentes ainda não são muitas. Mas já há algum “feedback”, nomeadamente de pais que veem como muito positivo a formação e a clareza sobre os cuidados a ter. A intenção é que nas avaliações anuais do SPC se possam incorporar os utentes servidos pelas obras (crianças, adultos vulneráveis, famílias, etc.), de forma a recolher as suas visões e a melhorar o SPC, para que possa cumprir cada vez melhor a sua intenção de promoção de uma “cultura do cuidado”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.