Inquietos e em caminho

É com cada um de nós, mas em particular com os jovens, que o Papa Francisco conta na tarefa da evangelização, no anúncio do Cristo ressuscitado, no rasgar de horizontes de esperança onde só a sombra parece reinar.

É com cada um de nós, mas em particular com os jovens, que o Papa Francisco conta na tarefa da evangelização, no anúncio do Cristo ressuscitado, no rasgar de horizontes de esperança onde só a sombra parece reinar.

Sair do sofá, fazer barulho, ser protagonista. O Papa Francisco foi sempre disruptivo na forma como se dirigia aos jovens, um autêntico provocador de Cristo. Ele recordava-nos constantemente que não fomos criados para o cómodo, mas para sermos agentes de mudança no mundo, em fidelidade ao Evangelho e com a ousadia de quem confia no Espírito Santo.

Os tempos incertos fazem com que o medo nos bloqueie. Sentimo-nos perdidos no meio de tanta voz e ruído, submersos no excesso de imagem e de som dos nossos dias. A instabilidade e a imprevisibilidade levam-nos a preferir o espaço seguro, numa obsessão por “acertar” o passo, e rouba-nos a liberdade de arriscar o seguimento de Cristo. Mas o Papa Francisco veio dizer-nos que estar perdido não impede o seguimento: não saber por onde ir é alimento do desejo de encontro com Cristo.

Estar perdido não é uma derrota ou um fracasso: é uma forma de conhecer. De se conhecer a si mesmo e ao mundo. E é oportunidade para reconhecer Deus e o seu chamamento. Estar perdido é a garantia de que há uma aventura por viver. Voltar-nos para Cristo no meio da perturbação é próprio do discípulo, pois não há uma única aparição do Ressuscitado que confirme imediata e categoricamente os discípulos na fé. Tal é evidente nos relatos do Evangelho. Porque hesitamos tanto?  É ao arriscar caminho que evangelizamos. É ao deixar-nos guiar pelo Espírito que nos encontramos com Cristo nas encruzilhadas do mundo.

Ao fim dos primeiros meses de papado, Francisco foi particularmente claro na sua exortação Evangelii Gaudium (§49):

“Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37).”

É com cada um de nós, mas em particular com os jovens, que o Papa Francisco conta na tarefa da evangelização, no anúncio do Cristo ressuscitado, no rasgar de horizontes de esperança onde só a sombra parece reinar.

Quando em 2019 confiou as Preferências Apostólicas Universais à Companhia de Jesus, o Papa Francisco confirmou que uma delas deveria ser o acompanhamento dos jovens na criação de um futuro cheio de esperança. Foi com este repto em mente que nos lançámos, como corpo, na preparação da JMJ Lisboa 2023, que se sonhou o CUPAV’25, e que se criou uma comunidade composta por leigos e jesuítas em Cernache com a missão de repensar a nossa pastoral com a juventude.

Para os jesuítas, as recorrentes provocações do Papa Francisco confirmaram o nosso modo de proceder nos centros, nos colégios e nos movimentos de campos de férias, em que se desafia os jovens a definir o rumo das nossas propostas e a assumir responsabilidade, a serem agentes promotores da Igreja que desejam. Estou convencido que vamos ajudando a que deixemos de ser “administradores de medos e passemos a ser promotores do sonho”, como nos pediu o Papa Francisco no seu encontro com jovens na UCP-Lisboa durante a JMJ Lisboa 2023.

Contudo, ficarmos pelo “quentinho” do contentamento seria pouco para uma espiritualidade da maior Glória de Deus. Há uma conversão por viver, e que está bem à vista: ser, como nos pediu Francisco, mestres da vida no Espírito, que rezem e ajudem a rezar, que promovam o aprofundamento da relação pessoal com o Deus vivo na oração e no serviço ao outro, bem como na compreensão da inteligência da fé. Os jovens contam com a Companhia e não devemos demorar-nos pelo caminho.

Ficarmos pelo “quentinho” do contentamento seria pouco para uma espiritualidade da maior Glória de Deus. Há uma conversão por viver, e que está bem à vista: ser, como nos pediu Francisco, mestres da vida no Espírito, que rezem e ajudem a rezar, que promovam o aprofundamento da relação pessoal com o Deus vivo na oração e no serviço ao outro, bem como na compreensão da inteligência da fé. Os jovens contam com a Companhia e não devemos demorar-nos pelo caminho.

Há um entusiasmo no ar em relação à fé, mas também sinais de desânimo. Há uma grande esperança sobre as possibilidades que se abrem, mas uma pesada consciência de que o processo de derrubar muros é lento. Há um dinamismo amoroso que nos leva a sair de nós mesmos, mas também o medo de falhar e de nos perdermos. Há sinais contraditórios, sim. Mas tal não nos deve surpreender nem tirar a paz, pois isto é próprio de quem vive momentos de viragem na história da Humanidade.

Inspirados por Francisco, devemos pedir a graça de não termos receio de nos perdermos no mundo, confiantes de que só temos de centrar o olhar, o coração e as mãos no seguimento de Cristo, conscientes de que pertencemos a uma história muito maior do que nós e que nos cabe a responsabilidade de escrever, com Jesus e em Igreja, as próximas páginas. Somos profetas de um futuro que não nos pertence, como rezamos na oração de Santo Alberto Hurtado. E Cristo faz-nos uma só pergunta, todos os dias: posso contar contigo? Que a vida do Papa Francisco nos inspire, na graça do Espírito, a aperfeiçoar o nosso sim a cada dia e a vivermos, de coração cheio, a alegria do Evangelho. Fiat lux!

 


As Preferências Apostólicas Universais (PAU) da Companhia de Jesus são fruto de um profundo processo de discernimento, realizado ao longo de quase dois anos e envolvendo jesuítas e colaboradores. Confirmadas pelo Papa Francisco num encontro com o Padre Geral Arturo Sosa, estas quatro preferências constituem um horizonte comum para a missão da Companhia nos próximos anos. Procuram responder aos desafios mais urgentes do nosso tempo e renovar a presença da Igreja no mundo, através de uma colaboração mais plena com a missão de Cristo. As PAU propõem: mostrar o caminho para Deus mediante os Exercícios Espirituais e o discernimento, ajudando a Igreja a ser sinal do Evangelho numa sociedade secular; caminhar ao lado dos pobres, excluídos e vítimas de injustiça, numa missão de reconciliação; acompanhar os jovens na construção de um futuro com esperança, reconhecendo-os como lugar teológico; e colaborar no cuidado da Casa Comum, assumindo a responsabilidade partilhada pela criação. Estas preferências não são apenas diretrizes: são um apelo à conversão, à escuta e ao compromisso ativo com o mundo e com o Evangelho.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.