Move-nos hoje a necessidade de assinalar o dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Move-nos a necessidade de não deixar esquecer alguma da matemática diária e a leitura dos números é hoje particularmente importante porque da sua variação depende a mudança de estilos de vida e a tomada de consciência daquilo que é o impacto de uma percentagem na vida de uma família. Senão vejamos…
As famílias portuguesas enfrentam vários desafios em simultâneo. O aumento da inflação é o mais imediato e o mais generalizado por toda a população. O impacto da inflação é maior nas famílias de menor rendimento, pois o aumento de preços incide sobre a maior parte do seu cabaz de consumo, que não tem grande margem de ajustamento.
Por exemplo, no caso de uma família com dois adultos e uma criança, que adquire sempre produtos das gamas mais baratas em Portugal, o orçamento alimentar básico mensal aumentou €45 ao longo do último ano. O aumento das despesas de primeira necessidade (incluindo também combustíveis, saúde, educação, comunicação, água, rendas, eletricidade e vestuário) terá sido mais do dobro. Estes valores são muito superiores aos apoios previstos para acudir à situação de emergência gerada pela inflação.
Até agora, o impacto social destes choques tem sido amortecido pela situação de quase pleno emprego em que vivemos. O bom desempenho do mercado de trabalho é a chave para que a pressão financeira acrescida no presente não se traduza numa crise social no futuro próximo.
Esta pressão financeira será exacerbada para algumas famílias, nomeadamente as mais jovens com empréstimos à habitação. Estas sofrerão os maiores aumentos de prestação mensal decorrentes da subida de taxas de juro que irá ocorrer nos próximos meses. Até agora, o impacto social destes choques tem sido amortecido pela situação de quase pleno emprego em que vivemos. O bom desempenho do mercado de trabalho é a chave para que a pressão financeira acrescida no presente não se traduza numa crise social no futuro próximo.
As condições de vida de muitas famílias em Portugal já eram muito frágeis mesmo antes destes choques. Esta fragilidade é visível em inúmeros indicadores de privação severa. Em 2020, 2,5% da população não tinha capacidade para ter uma alimentação adequada, 7,5% era excluída digitalmente por razões financeiras, 8,5% não tinha capacidade para substituir a roupa ou ter calçado adequado e 17,4% não tinha capacidade para manter a casa adequadamente aquecida. Também para muitas destas famílias, os desafios económicos atuais representam uma tempestade perfeita.
É sobre este pano que o trabalho de organizações como a rede nacional Cáritas se vai tecendo dia-a-dia, família a família, olhando cada pessoa na sua individualidade a partir do contexto das suas origens e da sua história. Isto é promover a erradicação da pobreza, impedindo novas situações de pobreza e isto nos fará “inverter curvas”. Quanto maior for a capacidade de adequação de políticas sociais, a capacidade de adequar a distribuição de recursos materiais e humanos às necessidades de cada história de vida, maior será a capacidade de inverter situações de pobreza ou impedir que nisso se transformem.
Uma rede informal robusta, capaz de olhar a esta individualidade e atuar nela, é uma das formas mais eficazes de encontrar caminhos de combate à pobreza. A rede nacional Cáritas faz essa experiência em Portugal, através dos inúmeros grupos de ação social nas comunidades paroquiais. Os problemas socias não têm todos a mesma solução e não se enquadram todos numa resposta única, por muito boa que seja. A proximidade entre comunidades, entre quem ajuda e é ajudado, traz-nos um garante sobre as soluções encontradas e, mais ainda, permite e impulsiona uma relação que se estabelece e que acompanha. É determinante interromper “ciclos viciosos” e medidas “pré fabricadas” que amarram as famílias a comportamentos e a expectativas que não serão correspondidas.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.