Duas moedas e o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar

O desejo de paz, porque a guerra nos bateu nas nossas vidas, intensifica-se neste aniversário e nestes tempos e o nosso compromisso solidifica-se quando outros se retiram.

O desejo de paz, porque a guerra nos bateu nas nossas vidas, intensifica-se neste aniversário e nestes tempos e o nosso compromisso solidifica-se quando outros se retiram.

O samaritano deu duas moedas ao estalajadeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar. (Lucas 10: 35)

Há um ano a Ucrânia foi atacada e invadida pelo exército russo. Em março o Centro S. Cirilo (obra da Companhia de Jesus) abria as portas da Casa Paz no Porto, em colaboração com Religiosas Escravas da Santíssima Eucaristia e da Mãe de Deus, e no final de abril abria as portas da Casa Mar, conhecida como o Chalé Viana, em Esposende, em parceria com o governo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus. O Chalé Viana, propriedade da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, é a casa de apoio para atividades do Colégio das Caldinhas e no verão casa de descanso para os jesuítas portugueses.

A marca distintiva das nossas ações e decisões foram o desassossego provocado por algo até então inconcebível nos nossos tempos e aqui ao lado, e a tamanha generosidade que transbordou em gestos únicos que montaram a Operação Acolher Ucrânia, nome dado projeto de acolhimento de cidadãos ucranianos, ao abrigo dos serviços de S. Cirilo.

Os dois meses de preparação e do início do acolhimento de migrantes e vítimas da guerra da Ucrânia foram marcados por respostas impulsivas e algumas imprudentes, mas também por decisões fruto de cuidadosos discernimentos. Na origem, a inquietação resultante dos acontecimentos que assistíamos incrédulos; também o movimento incansável da sociedade civil de manifestar uma solidariedade ímpar foi motivação para não ficarmos apenas como expectadores com desejos vãos de fazer alguma coisa. A marca distintiva das nossas ações e decisões foram o desassossego provocado por algo até então inconcebível nos nossos tempos e aqui ao lado, e a tamanha generosidade que transbordou em gestos únicos que montaram a Operação Acolher Ucrânia, nome dado projeto de acolhimento de cidadãos ucranianos, ao abrigo dos serviços de S. Cirilo.

Passados quase um ano desde que acolhemos a primeira família há um sentimento de cansaço, alguma frustração e muitíssimas lições aprendidas, mas acima de tudo há uma certeza de que fizemos e estamos a fazer a diferença na vida de cerca de 150 famílias que foram abrigadas na Casa Paz e na Casa Mar e também em algumas famílias do Porto que generosamente cederam do seu espaço para nos apoiar. Se é verdade que há um sentimento de gratidão por parte das famílias ucranianas também é verdade que há um enorme desconforto e incerteza, pelo que nem sempre se consegue sair de uma lógica do aqui-e-agora e passar para um plano de construção de futuro; olham a vida esperando que o tempo passe para poder regressar e então só aí recomeçar, no entretanto sobrevivem e nós fazemos o melhor que podemos para que essa sobrevivência seja protegida, confortada, mas também com horizonte. A comunicação profunda faz-se com a linguagem da caridade. O dia-a-dia constrói-se graças a dezenas de voluntários que também se vão deixando transformar ao se deixarem tocar pela crueza das vidas destroçadas destes que nos foram confiados.

Mantemos o sentido de responsabilidade do estalajadeiro que acolhe vidas e histórias feridas. Cuidamos e somos cuidados. Há muito que as duas moedas foram gastas nesse cuidar, mas mantemo-nos de portas e braços abertos confiantes que a generosidade e a confiança não cessaram e que “tudo o que de mais gastarmos nos será pago”.

O desejo de paz, porque a guerra nos bateu nas nossas vidas, intensifica-se neste aniversário e nestes tempos e o nosso compromisso solidifica-se quando outros se retiram. Assombra-nos a incerteza de quando e como será o fim, vale-nos a confiança que a providência não nos faltará e, sobretudo, que estamos a fazer real a vida eterna. E no fundo a parábola do bom samaritano – e do bom estalajadeiro – é a resposta à pergunta: “Que devo eu fazer para ter direito à vida eterna?”

Projeto Acolher Ucraniana – Centro S. Cirilo

IBAN: PT50.0036.0407.99106023820.63

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.