Hoje é o Dia Internacional do Voluntariado e a aproximação deste dia trouxe-me novamente ao pensamento algumas questões sobre o tema. Será que o voluntariado faz parte da solução para os problemas da nossa sociedade ou estamos apenas a viciar as pessoas em apoios que algum dia vão deixar de ter? Para que o meu voluntariado conte tenho de ir para o local mais recôndito de África ou ajudar a vizinha a levar as compras a casa também conta? O meu voluntariado é melhor do que o teu?
Fui pesquisar sobre voluntariado. Etimologicamente a palavra voluntariado deriva de voluntário, “aquele que faz por vontade própria”. Visto assim, talvez os meus primeiros voluntariados tenham sido quando dizia que não aos meus pais aos pedidos de ajuda para levantar a mesa. Bem, parece-me que não. Arrisco-me então a adaptar aqui um pouco a definição, para: o que age por vontade própria, para promover o bem do outro e sem esperar receber nada em troca. Assim acho que está melhor!
Se pararmos para pensar, hoje em dia muitas crianças crescem num mundo de competitividade, sendo formatados desde cedo para serem os melhores: o mais rápido a terminar a refeição, o primeiro a ganhar o jogo, o mais bonito do casamento, o que marca mais golos, o melhor aluno da turma, o que consegue aquele emprego de sonho… É curioso que com a maior parte das pessoas que conheço bem, consigo associar mais felicidade à quebra com este ciclo da competitividade. Mas isto não é nada fácil.
É curioso que com a maior parte das pessoas que conheço bem, consigo associar mais felicidade à quebra com este ciclo da competitividade. Mas isto não é nada fácil.
O voluntariado para mim funciona quase simultaneamente como um estilo de vida que quero adotar e como um meio que me ajuda diariamente a aproximar-me deste modo de viver. Confusos? Eu explico. Sim, eu quero ser esta pessoa que mais do que somar quer dividir; que sabe que é difícil ser melhor se não começar por descer (como dizia São Francisco Xavier). Mas isto dá trabalho. E de certa forma, as ações de voluntariado mais concretas a que me associo, ajudam-me a trilhar o meu caminho nesta direção e a ficar a cada dia mais perto de ser um voluntário a full time. Acredito eu.
Efetivamente, nos meus 33 anos de vida, é claro para mim que todas as atividades de voluntariado em que participei me transformaram numa pessoa que tem o nariz cada vez mais longe do umbigo. E mais: Quanto mais me entreguei a este tipo de atividade, mais a minha vida se transformou. Desde aquele dia em que fui animar um lar, aos campos de férias que animei nos Campinácios ou à hora por semana em que dou explicações ao Rui Pedro.
Mas é impossível para mim falar-vos de voluntariado sem vos falar dos Leigos para o Desenvolvimento. Já não sei bem em que altura da minha vida, mas sei que um dia ouvi falar desta Organização. Desde esse dia fiquei completamente deslumbrado pela possibilidade de dedicar um ano da minha vida a 100% ao voluntariado. De tal forma que me lembro que desde aí muitas vezes pensava: “Um dia quero fazer Leigos.”
Demorei alguns anos a conseguir ganhar coragem para dar esse passo. Fui adiando este sonho ao longo de alguns anos, mas… lá acabei por ganhar coragem! Em 2017, no Bairro da Graça, em Benguela, no sul de Angola, foi-me proposto que vivesse um ano com a Marta, a Rita e a Teresa e que juntos, em comunidade, nos dedicássemos permanentemente às pessoas deste bairro. Foi um ano de relação constante com aquelas pessoas e foi precisamente esta entrega transcendente, com consciência plena de estar a ser chamado a uma Missão tão grande que estava longe de ser minha, que provocou em mim uma transformação tão importante.
De facto, este ano de Missão, foi o ponto de viragem para como vivo a minha vida. A forma como me relaciono com as pessoas, como desfruto de coisas ou aposto em projetos a que antes não dava valor. Ou mesmo a forma como olho para o futuro.
Sabem quem é que tinha razão? A Mafalda Veiga. Já há muito tempo que ela canta que a vida “é feita em cada entrega alucinada, para receber daquilo que nos aumenta o coração.”
No fundo, acho que descobri que a minha vocação está em tudo relacionada com a dedicação ao outro. Se calhar não é vocação, mas que sou incrivelmente feliz a fazê-lo, lá isso sou.
Voltando às perguntas do início do texto. Muita gente olhava para mim quase como um herói por saber que eu ia partir com os Leigos. Ok. Quem dá o sim aos Leigos é uma pessoa corajosa, não nego. Mas… heróis? Lá, fora do meu contexto de todos os dias, foi mais fácil. Para mim é muito mais desafiante fazer voluntariado no dia-a-dia, na minha realidade e com as pessoas que fazem parte da minha vida. Considero que é tão herói alguém que vai ajudar uma comunidade africana por um ano, como quem ajuda a senhora da esquina a atravessar a passadeira. Não há, para mim, voluntariados bons nem maus, nem sítios ou projetos que dão mais pontos para o céu que outros.
Que bom que seria se todos tivéssemos a coragem para agir “por vontade própria” para fazer o dia de alguém um bocadinho melhor, não era? E no final de contas, como aconteceu comigo, os grandes beneficiados também acabamos por ser nós. É ou não é absolutamente divinal ter aquela sensação no coração de quando nos entregamos gratuitamente a alguém? Para mim isto é o que conta e é isto que quero continuar a sentir mais e mais vezes.
Sabem quem é que tinha razão? A Mafalda Veiga. Já há muito tempo que ela canta que a vida “é feita em cada entrega alucinada, para receber daquilo que nos aumenta o coração.”
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.